Crítica: Potestad cumpre papel de lembrar horror da ditadura

Os atores Laura Brauer e Celso Frateschi em cena de Potestad – Foto: João Caldas

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

É mais que bem-vindo neste momento político em que o Brasil vê parte de sua sociedade conservadora sair às ruas para pedir a volta dos militares um espetáculo que descortine a maldade de um regime de exceção.

No caso, a ditadura sob enfoque é a que vigorou na Argentina entre 1976 e 1983, não diferente em sua crueldade da praticada no Brasil entre 1964 e 1985.

O período sombrio é pano de fundo da peça Potestad, escrita pelo argentino Eduardo Pavlovsky em 1985 para contar um dos mais horrendos crimes cometidos pelos militares naquele país e que até hoje é notícia em todo o mundo: o roubo de bebês de presos políticos nos porões de tortura, adotados por famílias de raptadores.

Celso Frateschi, aguerrido ator da cena teatral e política, aceitou a escolha do texto, feita pelo diretor Pedro Mantovani, como forma de celebrar seus 45 anos de carreira, iniciada no Teatro de Arena em tempos de atores e diretores presos pelo Estado, inclusive ele.

A direção opta por uma encenação crua, na qual na primeira parte do espetáculo o personagem de Frateschi se abre diante de um público iluminado com uma luz de serviço, tal qual um holofote de tortura — o signo do recurso é compreensível, mas em certos momentos prejudica a visão do ator no centro da arena.

Ao lado de um berço coberto por um lençol branco, o senhor revela, aos poucos, que a filha tão amada por ele e sua mulher, na verdade foi retirada de dois torturados mortos, a quem ele, médico, constatou o óbito a serviço dos militares.

Diante da impossibilidade de ter filhos, o médico raptou o bebê. O personagem primeiro se apresenta como vítima de alguém a quem o filho foi retirado, quando, na realidade, é ele o algoz de outra família: de fato, a filha retirada dele foi devolvida à sua família de fato, revelando o crime cometido e do qual não demonstra ter arrependimento.

A encenação prioriza Frateschi no palco. À sua colega de cena, a atriz argentina Laura Brauer, resta ser o contraponto silencioso (mas, potente) para a verborragia excessiva do personagem vivido pelo ator. A atriz poderia ter sido melhor aproveitada pela encenação.

Frateschi tem talento reconhecido, mas, em alguns momentos, a direção o deixa escorregar no grito de fácil impacto, quando uma construção mais intimista teria elevado a potência de seu personagem e seria mais condizente com o tipo portenho por ele interpretado.

De todo modo, Potestad cumpre o papel de reavivar a barbárie dos regimes militares que assolaram a América Latina de três décadas atrás.

É importante não parar de falar sobre o que aconteceu neste lado do mundo, onde homens donos do poder converteram-se na face cruel de um Estado assassino. É importante lembrar. Para que estes tempos não voltem jamais.

Potestad
Avaliação: Bom
Quando: Quinta, sexta e sábado, 21h; domingo e feriado, 19h. 60 min. Até 17/5/2015
Onde: Espaço Cênico do Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, Pompeia, São Paulo, tel. 0/xx/11 3871-7700)
Quanto: R$ 25 (inteira); R$ 12,50 (meia) e R$ 7,50 (comerciários e dependentes)
Classificação etária: 16 anos

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1 Resultado

  1. Phillipe disse:

    Não acho que seja parte da sociedade conservadora que queira a volta dos militares. Eu não sou a favor da ditadura, mas realmente não aguento mais o atual governo. Amo meu país e lamento ver a impressionante farra com o dinheiro público. O que ocorreu na ditadura foi criminoso, mas também é algo criminoso ver o dinheiro público que deveria ser investido na saúde e educação ser desviado, como vemos em noticiários. Esquemas e mais esquemas. E tudo é varrido para debaixo do tapete, recebendo pouca atenção da mídia. Quando alguém morre esperando atendimento no hospital porque houve desvio de dinheiro da saúde, não é igualmente revoltante? E quando se descobre que alunos ficaram com fome, sem merenda porque o dinheiro mandado para a educação foi desviado? Realmente não suporto ver a glorificação do governo petista. Acho que TUDO deve ser enfocado nas Artes: o terror da ditadura, claro! Mas também deve ser enfocado o terror que é a fraude com o dinheiro público. Por que ninguém fala sobre isso? Por que não pipocam várias peças dissecando até as raízes a farra com o dinheiro público? Por que esse assunto parece ser blindado?

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