Entrevista de Quinta “É preciso falar das minorias”, diz Ricardo Corrêa, da peça Não Conte a Ninguém

Ricardo Corrêa, autor de Não Conte a Ninguém, no Espaço dos Parlapatões – Foto: Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Enquanto o Brasil pega fogo nesta véspera segundo turno, o ator e dramaturgo Ricardo Corrêa prefere ir além das redes sociais e dar seu recado no palco.

Escreveu a peça Não Conte a Ninguém, encenada até 28 de outubro no Espaço dos Parlapatões, em São Paulo, sempre às terças, às 21h, com entrada a R$ 30 a inteira e R$ 15 a meia-entrada.

A obra fala de amor e conta a história do adolescente Deco, que começa a descobrir sua primeira paixão e precisa lidar com isso e também com a reação social a ela. A peça toca em tabus que estão mexendo com a sociedade brasileira contemporânea.

Com direção de Davi Reis, a obra da Cia. Artera de Teatro se coloca no papel de discutir a sexualidade sem preconceitos. No elenco, estão Ana Paula Justino, Davi Reis, Jessica Drago, Rodrigo Pasquali, além do próprio Ricardo.

Nesta Entrevista de Quinta ao R7, Ricardo Corrêa fala sobre como a obra foi desenvolvida e ainda diz o que pensa de temas polêmicos da atualidade. Ele ainda declara qem quem votará no segundo turno.

Leia com toda a calma do mundo.

Ricardo Corrêa e Davi Reis em cena da peça Não Conte a Ninguém, em São Paulo – Foto: Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como foi o processo criativo?
RICARDO CORRÊA —
A primeira versão da peça nasceu em 2004, depois de alguns anos decidi montá-la. Foi um processo árduo de descobertas. Deixei meus personagens soltos, eles foram me dizendo quais eram seus caminhos na história. O diretor e ator Davi Reis soube trilhar o caminho da encenação junto com o elenco. Também as canções (cantamos ao vivo) do Diogo Soares e Thiago Maziero transformaram muito do que escrevi em música e sonoridade e inserções em audiovisual e animações criadas pelo Zeca Rodrigues, que são parceiros fundamentais da Cia Artera.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como surgiu a ideia da peça? É seu primeiro texto? Como foi escrever?
RICARDO CORRÊA —
Eu queria escrever uma peça que mostrasse que as pessoas são iguais, que elogiasse a descoberta do amor na adolescência. Não é a minha primeira peça, já escrevi outras. Depois de anos, a inscrevi em um edital e ganhei o prêmio para montá-la. Nesses anos, me deparei com a necessidade de ir mexendo no texto, que foi um aprendizado, está sendo muito prazeroso fazer este espetáculo para o jovem e para a população LGBT, num momento no qual a discussão está em vigor.

Sem preconceito: peça discute o amor – Foto: Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que vocês resolveram discutir esses temas?
RICARDO CORRÊA — Acho que tem pouca coisa pro jovem e acho que é necessário se falar das minorias. Queríamos falar poeticamente desse universo tão delicado. Este espetáculo é um elogio ao amor. Existe um conjunto de assuntos que nós na Cia. Artera gostamos de falar e são assuntos que tem a ver normalmente com intolerância, preconceito, minorias, às vezes de maneira mais pesada, às vezes de uma maneira mais leve, mais lírica, mais poética como em Não Conte a Ninguém.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Quando você era pequeno do que gostava de brincar?
RICARDO CORRÊA —
Colecionava bonecos em miniatura e gostava de inventar histórias com eles.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você começou no teatro?
Como foi sua adolescência?
RICARDO CORRÊA —
Era um adolescente como outro qualquer, cheio de incertezas, buscando pertencimento ao mundo, inadequado. O teatro me direcionou, comecei a fazer teatro muito jovem na cidade de Taboão da Serra, onde meus amigos eram pessoas mais maduras. Minha adolescência se deu no meio teatral.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você gostaria de voltar a ser adolescente?
RICARDO CORRÊA —
Não, só se fosse como no filme Peggy Sue – Seu Passado a Espera, onde a personagem da atriz Kathleen Turner à beira do divórcio desmaia e volta no tempo e vê a vida com o olhar mais maduro.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Onde você estudou? Qual boa lembrança tem dessa época?
RICARDO CORRÊA —
Estudei a vida inteira em escola pública. Tenho saudade da minha primeira professora, das reuniões na casa de amigos pra fazer trabalho e do cheiro que o mimeógrafo deixava nas folhas.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você vê o aumento do conservadorismo no Brasil?
RICARDO CORRÊA —
Bem, cada um tem o direito civil de agir e seguir a religião que queira, logo não há justificativa para o Estado restringir comportamentos homoafetivos ou de outra natureza. Enquanto se discute sobre direitos humanos, vemos o aumento do conservadorismo no país e a violência nas ruas. Quando o argumento deixa de ser político, relacionando-o à religião, temos um sério problema: a intolerância e a falta de proteção a liberdade humana.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você acha que o Brasil está caminhando para a direita? Por quê?
RICARDO CORRÊA —
O gigante acordou nervoso e ele quer socar alguém. Mas como que esse gigante despolitizado vai saber em quem que ele quer bater? Ser politizado é entender como funcionam as relações de poder em cada sociedade e no mundo em geral. É compreender que, por trás das relações de troca no mercado existem relações de exploração. Que, por trás das relações de voto, existem relações de dominação. Que, por trás das relações de informação, há um processo de alienação. Se houvesse educação nesse país as coisas seriam diferentes.

Não Conte a Ninguém pode ser vista até o fim do mês: toda terça, 21h, no Parlapatões – Foto: Divulgação

MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual o principal problema da sociedade brasileira hoje em sua visão?
RICARDO CORRÊA — Nossa sociedade enfrenta hoje em dia problemas que estão muito ligados às obrigações do governo, como a violência, saúde e corrupção.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como viu as declarações do candidato Levy Fidelix durante os debates?
RICARDO CORRÊA — Eu vi como uma fala odiosa e homofóbica, fiquei perplexo em constatar que um sujeito como ele estava se candidatando a Presidente da República. Ele incitou à violência e à discriminação contra a população LGBT através de um verdadeiro discurso de ódio e ofensa à comunidade LGBT em geral.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você já decidiu o voto no segundo turno? Por quê?
RICARDO CORRÊA — Sim. Vou de Dilma. Por que o PT tem um projeto de políticas sociais.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que você faz teatro?
RICARDO CORRÊA — É como se no teatro existisse a possibilidade de um refúgio, a possibilidade de experimentar uma outra realidade, um outro tipo de organização social. É como se o teatro pudesse me salvar do caos, me permitisse a loucura, mas tendo a “coerência” absoluta do mundo ao redor, e ao mesmo tempo a possibilidade de sonhar, de cantar, de dançar, sonhos que são de uma banalidade extrema… que é o de tentar transformar. Fazer teatro é falar outra língua, um idioma incompreensível, indizível, o teatro nos faz traduzir esse idioma incompreensível, significá-lo para nós mesmos e para o espectador, para que ele também possa dialogar em seu idioma mais secreto e íntimo.

O ator e dramaturgo Ricardo Corrêa: “Fazer teatro é falar outra língua” – Foto: Divulgação

Não Conte a Ninguém
Quando: Terça, 21h. 60 min. Até 28/10/2014
Onde: Espaço dos Parlapatões (praça Franklin Roosevelt, 158, metrô República, São Paulo, tel. 0/xx/11 3258-4449)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)
Classificação etária: 16 anos

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2 Resultados

  1. Phillipe disse:

    Concordo parcialmente com o comentário de Ricardo, de que o gigante acordou e quer socar alguém. A questão, porém, é que creio que o conservadorismo está vindo em revanche a um discurso hiperliberalizante que está sendo veiculado, principalmente por certas tribos de alguns que posam como os “descolados de plantão”. Particularmente, penso que o caminho é o do meio: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Os relacionamentos homoafetivos devem ser respeitados, sim, como quaisquer outros, mas a ode à vida despudorada (seja de héteros ou não) não pode ser empurrada goela abaixo. Opinar é direito de todos, mas fazer guerrilhas ideológicas e psicológicas e tentar forçar um padrão de comportamento já é um passo longe demais. Está faltando equilíbrio. É possível que todos, sem exceção, convivam pacificamente.

  2. Andressa disse:

    Gostei muito! Sou fã dos trabalhos da Cia Artera

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