Crítica: Satyros se dá bem com drama Adormecidos

José Sampaio, em Adormecidos: ator conquista respeito como idoso apaixonado – Foto: Rodrigo Dionisio

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

A gente acaba sempre querendo muita coisa. O te amo pra sempre junto do te amo demais é uma das nossas obsessões. Às vezes, é possível. Às vezes, não. Na cidade fria erguida no concreto, essas dores podem ser mais intensas.

A Cia. Os Satyros, acostumada a desvendar tabus no palco, resolveu mergulhar na simplicidade do relacionamento a dois na peça Adormecidos.

Referência do teatro underground brasileiro, o diretor Rodolfo García Vázquez imprime seu olhar ao drama burguês contemporâneo.

O texto é do minimalista Jon Fosse, dramaturgo norueguês de 54 anos que vem conquistando espaço na cena mundial com suas peças.

Apresenta um jovem filho que conta a história de amor de seus pais e a de desamor de um outro casal que também morou naquele lugar. O primeiro casal está em constante sintonia fina por toda a vida; o outro se afoga na falta de comunicabilidade.

O amor intenso, a aventura barata, a traição, o cuidar do outro e o passar dos anos — sempre implacável — é acentuado na montagem, na qual inventivamente a direção brinca com espelhos —um acertado cenário criado por Luiza Gottschalk. Isso cria e desconstrói atmosferas e, mais, joga o público para dentro daqueles conflitos, que são de todos nós.

Adormecidos é simples, mas não superficial, sobretudo porque dialoga com expectativas que trazemos conosco.

Elenco se destaca em Adormecidos, do Satyros: em primeiro plano, o casal formado por Tiago Leal e Katia Calsavara, ao fundo e ao centro, o casal formado pelos atores José Sampaio e Luiza Gottschalk – Foto: André Stéfano

O elenco está afinado. Joga junto. Henrique Mello, na pele do filho e ao mesmo tempo executor da trilha, em cena, dialoga com aquele entorno onde a perda está sempre à espreita. Vai, acertadamente, no mínimo.

Atores experientes, Katia Calsavara e Tiago Leal concretizam o desencontro constante do casal que interpretam. Há um certo enfado no ar, de ambos, com aquela situação de amor forçado. Exigido. Os atores passam todos estes sentimentos com propriedade.

Com uma atuação repleta de força, Calsavara é um dos destaques da peça, ao lado do ator José Sampaio, que vive o casal eternamente apaixonado ao lado de Luiza Gottschalk. Sampaio está tão presente e intenso em cada cena que conquista o respeito do público, sobretudo quando seu personagem chega à velhice. Neste momento, o ator se impõe ainda mais, com uma atuação comovente.

O ar alternativo dos Satyros se fez presente na sessão vista pelo R7. A lanterna empunhada por Katia Calsavara não acendeu em uma cena em que era fundamental que isso ocorresse. Os Satyros precisa se dar conta que, em certos aspectos, não é preciso levar o espírito underground às últimas consequências. Ou não, que fique assim mesmo. Talvez seja já charme e parte do folclore.

Entretanto, antes que esta crítica termine, é preciso ressaltar a delicadeza com que Daise Neves compôs os figurinos da obra. Eles dialogam intensamente com a encenação. São belos e frágeis como o amor e a vida.

Leia a coluna Dois ou Um com o ator José Sampaio!

Adormecidos
Avaliação: Muito bom
Quando: Sábado (26/7/2014), 19h, última apresentação
Onde: Espaço dos Satyros Um (praça Roosevelt, 214, São Paulo, tel. 0/xx/11 3258-6345)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada)
Classificação etária: 12 anos

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1 Resultado

  1. Phillipe disse:

    Também acho que os Satyros não precisam usar a estética “underground” em tudo. É até salutar para a companhia mudar um pouco de ares, para provar versatilidade.

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