Coluna do Mate: Formação é importante no teatro

Milena Filócomo e Jackeline Stefanski em cena de Teatro de Bonecas – Foto: Zé Aires

Breves apontamentos sobre a importância das escolas de formação de atores e atrizes

Alexandre Mate: Foto: Bob Sousa

Por ALEXANDRE MATE*
Especial para o Atores & Bastidores

A paixão (e, quase sempre, a necessidade) de dedicar-se ao teatro poucas vezes consegue ser explicada racionalmente. Por intermédio de entrevistas ou relatos de artistas pode-se conhecer as aventuras e dificuldades que a quase totalidade teve de vencer para que sua necessidade se transformasse em ação.

Verdade que atualmente, e sobretudo graças inicialmente ao cinema, e no caso brasileiro à televisão, o preconceito contra a arte da representação diminuiu sobremaneira. Portanto, se a representação teatral foi condenada, levando artistas, inclusive à morte, em boa parte da Idade Média na Europa central, hoje, os chamados bem sucedidos na profissão tem uma vida repleta de glórias e de reconhecimento.

O grande poeta português Luís Vaz de Camões, em Sonetos, afirma: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança:/ Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.”

Em tese, o preconceito contra a representação (ou contra os atores e atrizes) existe no mundo ocidental desde a invenção da linguagem teatral pelos gregos da Antiguidade clássica. No teatro popular, homens e mulheres sempre estiveram juntos na cena, mas, no teatro erudito, as mulheres vão para a cena apenas no século 17.

Patriarcal e machista

Como se sabe, vivemos em uma sociedade, desde sempre, patriarcal (e machista, como se costuma dizer). Desse modo, o controle sobre as mulheres vem sendo exercido desde o início da humanidade.

Ibsen, criador de Casa de Bonecas – Foto: Divulgação

Em teatro isso também existiu. Apenas para se ter uma ideia do controle exercido sobre as mulheres, a obra teatral mais proibida de toda a história da dramaturgia mundial (e até hoje, de diferentes modos) é o texto de 1879 “Casa de Bonecas”, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen.

De modo bastante sucinto: Nora, casada com Torvald, durante oito anos paga um empréstimo feito às escondidas para salvar o marido de grave doença. Nora faz o empréstimo de um agiota, falsificando a assinatura do próprio pai. Passados oito anos, e liberta do grande pesadelo, o marido está prestes a ser o novo gerente do banco e quer demitir algumas pessoas; uma delas é o agiota. Este não aceita a decisão e chantageia Nora.

Caso ela não o defenda, o agiota diz que escreverá carta contando tudo ao marido. Desesperada, mas acreditando no amor e dedicação ao marido e família durante os oito anos, Nora conta a verdade. Torvald não aceita e condena a esposa sumariamente: ele não pode ter sua imagem afetada.

O agiota se arrepende, Torvald “perdoa” Nora. Esta, absolutamente desamparada, e consciente de ter vivido uma mentira durante os últimos oito anos, vai embora de casa: abandonando o marido e os filhos. Desesperado, Torvald pede-lhe para ficar ainda aquela noite, Nora responde não poder dormir com um estranho!

Cena de Teatro de Bonecas, com direção de Adriano Cypriano para o texto de Ibsen – Foto: Zé Aires

Por que a obra Casa de Bonecas vem sendo proibida? Simplesmente porque, pela moral vigente até hoje, não se admite que uma mãe possa abandonar os filhos. Os pais que fazem isso podem até ganhar alguma crítica, mas, o mesmo não é admitido com relação às mães. Montagens antológicas, e mesmo adaptações, vêm sendo feitas da obra. Recentemente, Milena Filócomo adaptou a obra, dirigida por Adriano Cypriano, batizada Teatro de Bonecas.

Escolas têm importância vital

O assunto deste texto são as escolas de formação de intérpretes, prioritariamente em São Paulo. Desse modo, a introdução apresentada oferece algumas determinações na importância do teatro no contexto sociocultural da humanidade. Algumas pessoas aproximam-se do teatro pela representação, outras pelo seu alcance, outras pelas transformações que podem propor na vida das pessoas… Enfim, há uma gama de intenções que aproximam os seres da linguagem. Para facilitar o acesso, preparar os sujeitos, descortinar o mundo do teatro as escolas de formação têm importância vital.

Retrato de Alfredo Mesquita, fundador da EAD, pintado por Octávio Araújo em 1976, hoje no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo – Reprodução

Basicamente, e até determinado momento da história, o processo de formação de atores e atrizes ocorria de modo autodidata, isto é, se aprendia fazendo, em cena. Basicamente, e de modo sistemático, a primeira escola de formação de intérpretes em São Paulo foi a Escola de Arte Dramática, a EAD, fundada em 1948, por Alfredo Mesquita.

Sucintamente, a escola foi fundada para formar atores e atrizes para ingressarem no Teatro Brasileiro de Comédia, fundado no mesmo ano e coordenado por Franco Zampari. De lá para cá, a prestigiadíssima escola já formou mais de 60 turmas.

De todas as turmas formadas na escola, o Grupo 59 de Teatro, sem dúvida pode ser destacado. Formado em 2011, e com quatorze integrantes, o grupo montou e mantém em seu repertório: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, dirigida por Cristiane Paoli Quito, Mockinpó, dirigida por Claudia Schapira e a Última História, dirigida por Tiche Vianna.

Fundação das Artes de São Caetano do Sul

A Fundação das Artes de São Caetano do Sul foi criada, em 25 de abril de 1968, pelo saudoso Milton Andrade. Mantida por intermédio do poder público, a escola teve problemas para sua manutenção, e, em sua história, formou inúmeras turmas.

Cena de Homem-Cavalo & Sociedade Anônima – Foto: Bob Sousa

De todas elas a mais conhecida é a Companhia Estável, formada em 2000, e com mais de dez espetáculos já montados. Atualmente, o grupo apresenta, em espaços híbridos, A Exceção e a Regra, trabalho com direção coletiva; prepara intervenção fundamentada em teatro de agitprop (agitação e propaganda), com direção de Renata Zhaneta e mantém em seu repertório o espetáculo Homem-Cavalo & Sociedade Anônima.

Teatro-escola Macunaíma

Fundada em 1974 pelo casal de Myriam Muniz e Silvio Zilber, o Teatro-escola Macunaíma, atualmente oferece cursos profissionalizantes e livres, para crianças, jovens e adultos.

Exatamente pelos anos de existência e pela quantidade de cursos oferecidos, há uma brincadeira entre os artistas de teatro segundo a qual, não há profissional na cidade que não tenha ministrado aulas na instituição.

Apesar de ter tido grandes profissionais a ensinar e grandes intérpretes formados na instituição, não há um grupo especificamente formado na escola. Atores e atrizes da escola estão espalhados em muitos dos quase 300 grupos de teatro da cidade.

Teatro-escola Célia Helena

O Teatro-escola Célia Helena foi fundado pela inesquecível atriz Célia Helena, em 1977. Atualmente, a escola oferece uma variedade significativa de processos de formação: profissionalizante de ator; cursos livres para crianças, adolescentes e adultos; curso de interpretação superior e curso de pós-graduação lato sensu.

Cena de O Jardim das Cerejeiras – Foto: Valéria Mesquita

Das propostas de formação, o mais tradicional é o curso de formação de atores. De todas as companhias formadas pela escola, a mais conhecida, e com mais de dez montagens, sempre dirigidas por Marcelo Lazaratto, é a Companhia Elevador de Teatro Panorâmico, formada em 2000. Até o mês passado, a companhia ficou em cartaz com O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchekhov.

Escola Livre de Teatro de Santo André

A Escola Livre de Teatro de Santo André foi fundada em 1990 e por ser mantida pelo poder municipal passou por problemas de manutenção. Idealizada pela excepcional criadora e pesquisadora Maria Thais, a escola transformou-se em referência nacional, sobretudo pelos procedimentos de criação, fundamentados no conceito de processo colaborativo.

Compreendendo, pelo menos, três anos de formação, as turmas passam por módulos específicos de formação: teatro épico, teatro realista, circo etc. Até pouco tempo atrás, o incentivo no processo de criação compreendia o desenvolvimento em potência de aprendizes- criadores. Música, coreografia, texto, cena, figurino, maquiagem eram experimentados e criados pelo conjunto de aprendizes.

Cena de Azar do Valdemar – Foto: Bob Sousa

Decorrentes de improvisação e ancorados no conceito de práxis, depois de amplos processos de experimentação, desenvolvia-se um processo de costura ou elaboração final de profissional específico. Das diversas turmas formadas na escola, a Companhia d’Os Inventivos, formada em 2005, e dedicada ao teatro de rua, tem em seu repertório (decorrente da adaptação do romance Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro) uma trilogia que compreende: Canteiro; Bandido É Quem Anda em Bando e Azar do Valdemar, espetáculos dirigidos por Edgar Castro.

Outras instituições

Além das instituições apresentadas, ainda como escolas profissionalizantes, podem ser citadas: Braapa Escola de Atores, Conservatório Dramático Emílio Fontana, Escola de Atores Wolf Maya, Incenna Escola de Teatro, Televisão e Cinema, Instituto de Artes e Ciência – mais conhecida como Indac, RecriArte – Escola de Atores. Entretanto, buscou-se neste texto apresentar nomes de grupos e não de indivíduos. Como no processo de pesquisa não se conseguiu encontrar nomes de companhias formadas nas escolas citadas, destacou-se apenas os nomes destas outras instituições de formação.

Ensino superior

Além das escolas específicas de formação de intérpretes, várias instituições de ensino superior, tanto públicas como particulares, têm ministrado cursos de formação em teatro (licenciatura e bacharelado). Dentre elas, podem ser destacadas: Escola de Comunicações e Artes da USP (bacharelado e licenciatura) – sem dúvida esta é uma das mais importantes instituições na formação de artistas; o Instituto de Artes da Unesp (bacharelado e licenciatura) – escola importante na formação de professores, implantou o curso de formação de intérpretes em 2014; Instituto de Artes da Unicamp (bacharelado) – escola criada na década de 1966, mas o curso de teatro inicia-se na década posterior e foi organizado pelo diretor Celso Nunes; comunicação e artes do corpo da PUC-SP (bacharelado) – a universidade forma profissionais para atuar nas áreas de artes cênicas, como dramaturgo ou criador-intérprete; as universidade São Judas Tadeu, Mozarteum e Anhembi Morumbi, em tese, desenvolvem cursos de licenciatura em artes cênicas.

*Alexandre Mate é professor do Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e pesquisador de teatro. Ele escreve no blog sempre no começo de cada mês.

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5 Resultados

  1. Phillipe disse:

    A coluna do Mate é maravilhosa. Fico esperando por ela!

  2. Cleiton João Pinto disse:

    Me formei no Célia Helena, foi o primeira montagem da escola com um Músical direção : Mate.
    Preciso dessa coluna.

  3. Crys Fischer Fontana disse:

    Alexandre Mate é referência em arte dramática. Como ninguém reune atributos como cultura, didática, ética e carisma. Tive a honra de ser sua aluna em curso de pós graduação na FAMOSP. Querido Sucesso!

  4. Crys Fischer Fontana disse:

    Alexandre Mate é referência em arte dramática. Como ninguém reune atributos como cultura, didática, ética e carisma. Tive a honra de ser sua aluna em curso de pós graduação na FAMOSP. Querido Sucesso!

  5. Joaquim Gama disse:

    OS RISCOS DA LISTA! Cada vez que resolvemos criar listas, corremos alguns riscos, entre eles o do esquecimento. Nosso querido Mate, sempre atento e capaz de articulações que nos surpreende, esqueceu de citar a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco. Um espaço importante de formação, com projeto singular dentro da formação técnica e profissional, por onde transitam vários artistas e que teve inclusive o privilégio de tê-lo em diversas ações artísticas e pedagógicas que vão de palestras às aulas dentro dos oito cursos que a Escola oferece gratuitamente.

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