Entrevista de Quinta: Bárbara Salomé é Neusa Sueli nos palcos e decreta: “Hoje, velhice não tem idade”

A atriz Bárbara Salomé conquista teatro paulista e vira Neusa Sueli: a emblemática prostituta de Plínio Marcos, na peça Por Acaso, Navalha, da Cia. Caxote – Foto: Eduardo Enomoto

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos de EDUARDO ENOMOTO

Não é fácil para uma atriz encarar a prostituta decadente Neusa Sueli, personagem emblemático do dramaturgo paulista Plínio Marcos (1935-1999). Cheia de coragem e talento, a atriz Bárbara Salomé assume tal missão.

Ao lado de Humberto Caligari, como o travesti Veludo, e Murilo Inforsato, como o cafetão Vado, ela é a estrela da peça Por Acaso, Navalha. O papel de Neusa Sueli já foi vivido por grandes atrizes, como Vera Fischer.

Na versão intimista do diretor Fernando Aveiro, da Cia. Caxote, apenas 20 pessoas assistem cada sessão no Espaço Mínimo, na Pompeia, zona oeste paulistana [veja serviço ao fim].

Bárbara ganhou a personagem da produtora Camila Biodan, que preferiu ficar nos bastidores e deu Neusa Sueli de presente para a amiga.

Bem humorada, a atriz, que também é palhaça e está em cartaz com a peça infantil Mitos Indígenas com o grupo Os Satyros, conversou com exclusividade com o Atores & Bastidores do R7 nesta Entrevista de Quinta.

Contou desde o comecinho, na pequena Piedade de Ponte Nova, no interior mineiro, até o desafio de viver hoje uma das personagens mais importantes de nossa dramaturgia.

Leia com toda a calma do mundo.

Bárbara Salomé é a estrela da peça Por Acaso, Navalha, em cartaz em São Paulo – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado — Você é de Minas também, né?
Bárbara Salomé — Sou de Piedade de Ponte Nova.

Miguel Arcanjo Prado — Quantos habitantes tem?
Bárbara Salomé — Uns 4.000, fica na Zona da Mata.

Miguel Arcanjo Prado —Você é filha de quem?
Bárbara Salomé —Meu pai era policial, Sebastião, e minha mãe, Dejaci, era professora. Eles estão aposentados hoje. Apesar da profissão, meu pai é muito sensível, gosta de desenhar…

Miguel Arcanjo Prado —Foi dele que você puxou a veia artística?
Bárbara Salomé — Foi. E da minha avó materna também. A dona Jacira. Ela gostava muito de teatro. Na minha família os homens são mais sensíveis e as mulheres, mais fortes.

Mineirinha de Piedade de Ponte Nova, Bárbara Salomé conquista o Brasil – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado —A dona Jacira fazia teatro em Piedade de Ponte Nova?
Bárbara Salomé — Fazia. Quando ela ficou caduca, só se lembrava dos textos das peças. Porque em Minas as pessoas ficam caducas. Essa história de Alzheimer eu só fui ouvir aqui em São Paulo [risos].

Miguel Arcanjo Prado —Você tem irmãos?
Bárbara Salomé — Tenho, o Aurélio, que é mais novo. Na verdade, tive dois, porque uma irmã minha, a Thyanna, morreu quando éramos bem pequenas.

Miguel Arcanjo Prado — Como foi viver uma situação forte tão cedo?
Bárbara Salomé — Foi um baque. Minha mãe ficou muito mal, fiquei uns tempos com minha avó. Mas criança tem um jeito de lidar bem com qualquer situação. Era muito pequena, brincava na rua, não ficava pensando naquilo. Tinha muitas mães na vizinhança que cuidavam de mim. Porque interior tem disso: um cuida do outro.

Miguel Arcanjo Prado —Quando você começou no teatro?
Bárbara Salomé — Foi na escola e na igreja. Também fazia jazz. Adorava inventar apresentação nas festas da cidade. Colocava texto e tudo. Aí, quando fiz 15 anos, um grupo de Ouro Preto foi se apresentar lá. Fiquei encantada. Lembro que as atrizes usavam umas roupas modernas, com meias diferentes e óculos escuros. Vi e pensei: quero ser assim.

Miguel Arcanjo Prado — E quando você saiu de lá?
Bárbara Salomé — Foi aos 16 anos. Prestei para o curso de teatro da Universidade Federal de Ouro Preto e passei.

Aos 16 anos, Bárbara Salomé saiu de casa em busca do sonho de atriz – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado —Como foi a mudança?
Bárbara Salomé — Foi uma loucura. Primeiro fui morar com um amigo. Depois, fui morar em uma porão que tinha um doido vizinho que batia na janela de noite. Eu morria de medo! Depois, fui para a república Escândalo. Fiz amigos que estão comigo até hoje.

Miguel Arcanjo Prado —E como você lidava com a loucura estudantil?
Bárbara Salomé —Era muito nova. Não bebia nem fumava. Fui fazendo minhas coisas, em meio às festas. Fiz meu primeiro monólogo lá: Brazil Quem USA sou EUA, escrito pelo Ricardo Silva. Era um texto muito politizado e muito debochado também. Tem muita coisa boa que acontece no teatro fora de São Paulo. Muitas vezes quem vive aqui não faz ideia.

Miguel Arcanjo Prado —E o que você fez quando o curso acabou?
Bárbara Salomé —Entrei para o Oficinão do Grupo Galpão, em Belo Horizonte. Aos 19 anos, estava me mudando outra vez. BH foi mais difícil que Ouro Preto.

Miguel Arcanjo Prado —Onde você foi morar?
Bárbara Salomé —Fui para uma pensão que só tinha velhas, na avenida Augusto de Lima, perto do Edifício Maleta.

Miguel Arcanjo Prado — E era bom?
Bárbara Salomé —Era o horror [risos]. Em BH lidei mais com essa coisa da profissionalização. Era tudo muito competitivo. Fiz A Vida É Sonho, do Julio Maciel, e também Decameron, com o Kalluh Araújo.

Miguel Arcanjo Prado —Eu vi essa peça! Todo mundo nu… Lembro que todo mundo comentava o espetáculo em BH na época [risos]
Bárbara Salomé —Pois é. Eu nunca tinha ficado pelada no palco. E o diretor amava o Zé Celso. Foi uma grande experiência. Eu fui fazendo, fui vivendo, seguindo o fluxo.

Após estudar teatro em Ouro Preto, na UFOP, Bárbara foi atuar em Belo Horizonte – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado —E seus pais?
Bárbara Salomé —Sempre me deram apoio. Claro que tem sempre aquela pergunta: tem certeza que você quer isso mesmo? Por que você não faz teatro por hobby? [risos]

Miguel Arcanjo Prado —E como você veio parar em São Paulo?
Bárbara Salomé — Cheguei a São Paulo em 2007. Antes, fiz um espetáculo empresarial para a Vale e viajei o Brasil todo. Aprendi muito. Foi nessa época, passei a admirar o trabalho do Thiago Lopes, que hoje tem o grupo Território do Avesso, em Governador Valadares. Ele é um excelente palhaço, muito talentoso. Foi por causa dele que quis ser palhaça também.

Miguel Arcanjo Prado —E você veio para São Paulo ser palhaça e tentar a vida no teatro?
Bárbara Salomé — Sim. O primeiro ano foi horrível. Morava perto do aeroporto de Congonhas. Então, meu passeio era ir ao Extra e ao Habbibs. Depois, morei em repúblicas, passei muito perrengue.Tentei tudo que você pode imaginar. Fiz teste pro Antunes [Filho, diretor], e não passei. Fiquei acabada. Desisti do teatro e fiquei dois anos só fazendo palhaço com os Amigos do Nariz Vermelho. Minha palhaça se chamava Judith. Fiz muita coisa empresarial.

Bárbara Salomé chegou a São Paulo em 2007: árduo caminho até o palco – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado —E quando o teatro voltou?
Bárbara Salomé —Em 2009, consegui juntar uma grana e ir morar sozinha na Santa Cecília, no centro. Minha vida mudou completamente. Amo aquele bairro até hoje! Prestei a SP Escola de Teatro e fiz parte da primeira turma de humor. Conheci um monte de gente! Um dia, o Rodolfo [García Vázquez, diretor do Satyros e professor da escola] me chamou para fazer uma substituição em Zucco. Foi aí que voltei pro palco. A personagem era bem pequenininha: uma prostituta. Fiz ela engraçada e me inspirei na Amy Winehouse! Depois, trabalhei também com a Luciana Ramin, do Andar7 Agrupamento. Fiz Fausto in Progress, no Tusp, e também com a ExCompanhia de Teatro, no projeto Eu – Negociando Sentidos, que foi muito bacana também.

Miguel Arcanjo Prado —E agora você volta a fazer outra prostituta, só que desta vez como protagonista: a Neusa Sueli, criada por Plínio Marcos. Como foi encarar esta personagem?
Bárbara Salomé — Recebi o convite dos meninos da Cia Caxote no fim de 2013. Na terceira leitura, me apaixonei pela personagem. Comecei a ver Neusas Suelis por toda a parte.

Bárbara Salomé criou uma Neusa Sueli arquetípica: “tem muita mulher gasta por aí” – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado —Como é a sua Neusa Sueli?
Bárbara Salomé —Primeiro pensei: como vou fazer essa mulher de 50 anos? Depois pensei: tem menina de 25 que já é gasta, que não fez escolhas na vida. A vida foi levando e ela ficou gasta. A minha Neusa é arquetípica. Quis ampliá-la. Essa pergunta: “será que eu sou gente?” não é só para prostituta. Minha amiga tem uma irmã modelo que está em crise porque fez 23 anos e está se sentindo velha, entende? Hoje, a questão da velhice está descolada da idade.

Miguel Arcanjo Prado —Você fez laboratório?
Bárbara Salomé —Vi muito filme do Fellini, documentários, fui na Luz [centro de prostituição no centro paulistano]. Também usei a Joana D’arc; queria outras referências, dar uma mesclada.

“Não tem divisão entre palco e plateia”, diz Bárbara Salomé sobre a montagem Por Acaso, Navalha, uma adaptação de Navalha na Carne, texto clássico do teatro brasileiro, de Plínio Marcos – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado —Como está a temporada?
Bárbara Salomé —Está ótima. É bem intimista. Só para 20 pessoas. Não tem divisão entre palco e plateia. Então, muda todo dia. É ótimo fazer porque é um desafio enorme.

Miguel Arcanjo Prado —Você tem vontade de fazer cinema e TV?
Bárbara Salomé —Tenho muita vontade de fazer cinema e também televisão. Mas, tem de ter a oportunidade. Eu confio muito no meu trabalho. Essa coisa de ficar em casa esperando ser chamado não dá. Tem de trabalhar, tem de fazer. Tem de ter a troca antes para gerar frutos depois.

Bárbara Salomé acaba de fazer 30 anos: ´”Saí do buraco da lacraia” – Foto: Eduardo Enomoto

Miguel Arcanjo Prado —Como foi fazer 30 anos?
Bárbara Salomé —Fazer 30 é maravilhoso. Essa coisa de ter 28, 29 é que é horrível. É o buraco da lacraia [risos]. Passei essa fase no limbo. Mas, aí fiz 30 e mudei completamente. Até mudei de nome. Antes era Bárbara Mello. Agora, virei Bárbara Salomé.

Miguel Arcanjo Prado —Por quê?
Bárbara Salomé — Minas é muito felliniana… Todo mundo tem apelido…. Mas, respondendo à sua pergunta, não sei. Mudei porque mudei. Porque precisava. Veio da intuição. Acho que foi um sopro. Falando desse jeito o povo vai pensar que eu virei a Baby do Brasil [risos].

Bárbara Salomé, que antes era Bárbara Mello: “Mudei porque mudei. Veio da intuição. Acho que foi um sopro. Desse jeito o povo vai pensar que virei a Baby do Brasil” – Foto: Eduardo Enomoto

Por Acaso, Navalha
Quando: Sábado, 21h; domingo, 19h; segunda, 21. 55 min. Até 4/8/2014
Onde: Espaço Mínimo (r. Barão do Bananal, 854, Pompeia, São Paulo, tel. 0/xx/11 9-8919-2773)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada)
Classificação etária: 16 anos

 

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2 Resultados

  1. Luan Gomes disse:

    Que bacana sua entrevista Miguel!Adorei a Bárbara,de certa forma até me identifico um pouco com ela rs…beijo

  2. Phillipe disse:

    Bárbara concedeu uma entrevista levíssima, agradável. Ela, sim, é uma pessoa descolada, mas sem afetação. Não é uma “poser” como alguns (que gostam de frisar que são da tribo dos “Descoladinhos de Plantão”) são. Especificamente nestes tempos em que o uso de palavras chulas tem sido glorificado, para dar um ar descolado, ela mostrou que é possível, sim, ser absolutamente descolada e causar empatia imediata ao seu discurso sem ser grosseira ou agressiva. Porque, afinal, há quem goste, mas há também quem não goste de palavrões. E, na minha opinião, o uso excessivo deles dá, sim, um tom agressivo ao discurso (como explicitei, é o que penso; há gente que adora; enfim, cada um sabe de si).
    Aplausos efusivos pela entrevista e, para mim, dou parabéns também pela atitude!

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