Domingou: Eu não sou macaco, não!

Polêmica racista e cena do filme O Planeta dos Macacos: “Eu não sou macaco, não!” – Foto: Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

É impressionante como os brasileiros costumam se comportar muitas vezes como gado que ruma inocentemente para o matadouro. Sem qualquer capacidade de pensamento racional ou de contestação. É realmente de causar assombro.

Como o que ocorreu nos últimos dias, após o lamentável episódio de racismo sofrido pelo jogador Daniel Alves na Europa. Ao ver a banana atirada pelo torcedor racista, ele a comeu, causando enorme furor pela atitude inesperada, logo rapidamente transformada em ícone antirracista.

A atitude gerou debate mundial e, sobretudo, brasileiro. As celebridades da vez, orientadas por seus espertinhos agentes de marketing, perceberam a chance de promoção instantânea. Sobretudo no veloz mundo digital.

Pulularam pelas redes sociais fotos de famosos segurando bananas, na intitulada campanha #somostodosmacacos, planejada pela publicidade de Neymar. Todos muito compungidos contra o racismo. A campanha midiática foi tão bem planejada que muitos embarcaram sem pestanejar.

Poucos pararam para questionar a infelicidade do slogan, que soa racista por si só. Como bem disse o ator Lázaro Ramos, melhor seria “somos todos humanos”, não?

Ao propagar por aí que somos todos macacos, o que as celebridades dizem, de forma indireta é: “o jogador negro foi chamado de macaco, mas eu, celebridade bondosa, vou me chamar de macaco também para que o xingamento seja atenuado pelo discurso inverso”.

O suprassumo do engajamento virtual certamente causaria ojeriza em Martin Luther King ou Nelson Mandela. Em vez de se criminalizar o racismo, que reza a Lei brasileira é crime inafiançável, apesar de ninguém ver ser cumprida, o slogan de Neymar e seus amigos assume o discurso racista.

Assim como fez Ronaldo Fenômeno, que jurou ser branco em entrevista para a Folha de S.Paulo — o que fez a colunista Barbara Gancia falar que ele precisava de oculista —, Neymar também já afirmou ao jornal Estadão que não se considerava negro, como noticiou à época o colunista do R7 Cosme Rímoli. Ao ser perguntado em 2010 se havia sofrido racismo, ele respondeu: “Nunca. Nem dentro, nem fora do campo. Até porque não sou preto, né?”. Complicado.

Para Angélica e seu marido, com seu trio de bebês louros, gente que nunca seria vítima de racismo, é muito fácil sair por aí dizendo ser macaco. Para quem costuma sofrer o xingamento ou o preconceito na pele é bem diferente e nada divertido. Nem rentável. Não custa nada lembrar que no programa de Huck o negro geralmente ocupa o lugar de pobre que ele ajuda ou então de dançarinas seminuas nos concursos de Carnaval. Bem fez a colunista Fabíola Reipert em informar que o apresentador já estava vendendo camisetas com o suposto slogan contra o racismo. De chorar.

Se estes famosos realmente fossem tão defensores do negro assim, teriam saído dias atrás em defesa da dançarina de Anitta que foi chamada por Faustão de “cabelo vassoura de bruxa”, por ter os fios crespos, comum em gente negra, e não alisados, como reza o padrão vigente.

Muito pelo contrário, logo mandaram a moça apagar a reclamação que escreveu em uma rede social e ficar quietinha. E Faustão ainda diz que é “palhaçada” quem o acusa de racismo. E todos aceitam, sem questionar, preferindo posar com bananas em redes sociais, engolindo o slogan #somostodosmacacos.

Eu me recuso. E faço questão de gritar bem alto: Eu não sou macaco, não!

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e ainda sonha com um mundo sem racismo e oportunismo. A coluna Domingou, uma crônica semanal, é publicada todo domingo no blog Atores & Bastidores do R7.

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27 Resultados

  1. Alane disse:

    Alguém com bom senso por aqui.

  2. Luan Gomes disse:

    Nossa,Miguel você está de parabéns pelo seu ponto de vista!São pessoas como você que me fazem pensar que teremos um mundo melhor.Fiquei comovido e me deparei com a hipocrisia e a sujeira que literalmente reina nesse país!Triste isso,mas foi muito bom e de suma importância você escancarar o que se passa.Sua postura foi admirável,beijo!

  3. Nathalia Rocha disse:

    Bravo!!! ótimo texto, ótimo argumento… #somostodoshumanos

  4. Adrianne Lima disse:

    Parabéns pelo texto, vc traduziu exatamente o que penso desta palhaçada.

    Obrigada

  5. Sandra... disse:

    Olá Miguel,

    Sempre gostei de acompanhar você nos videos com a Fabiula, me diverto muito. Li seu texto e simplesmente adorei, você está correto nas suas argumentações, parabéns!

  6. JULIO GOIANO disse:

    Oi Miguel.

    Seu artigo é PERFEITO!

    Totalmente claro e direto e realmente põe o “dedo na ferida”. Entretanto, acredito tb que se a piada de mau gosto do Faustão se referisse a uma branca de cabelo “lambida de vaca” ou seja muito liso, não teria tanta repercussão.

    Embora acredito que nem sempre deve-se levar tudo “à ferro e fogo”, acredito que o preço pago pelos brancos por causa desses tipos de situações é pouco.

    A Escravidão, que deu origem a todo esse racismo que perdura por séculos, foi algo muito pior do que o Holocausto, mundialmente conhecido por ter sido “a pior tragédia do mundo”. Não estou aqui fazendo apologia ao nazismo ou algum tipo de preconceito aos judeus, mas é óbvio que a Escravidão foi um mal muito pior ao ser humano do que o Holocausto que dizimou milhares de judeus, que nos dias atuais, com raras exceções, são tidos como pessoas bem sucedidas, ricas e de bom nível sociocultural.

    Já os negros continuam tendo que, dia após dia, superar obstáculos, sejam ele grandes ou pequenos, mas ainda sim obstáculos.

    Por isso reafirmo minha opinião, a ESCRAVIDÃO FOI A PIOR COISA QUE OCORREU NA SOCIEDADE E NAO O HOLOCAUSTO.

    Abraços!

    • Miguel Arcanjo Prado disse:

      Julio, concordo contigo. A escravidão foi um mal terrível para a sociedade. E seus efeitos, presentes nos dias atuais, precisam ser discutidos pela sociedade. E combatidos. Um forte abraço!

  7. simone disse:

    ser comparado há um animal como o macaco não é ofensa alguma.Assim como comparar mulheres vulgares há galinhas ou pessoas más de cobras.Coitado dos animais que inocentes não sabem e não fazem mal a ninguém a não ser se defenderem.
    Preconceito existe é fato . De raça de credo ,de opção sexual.Comparar o macaco ao homen é muitasvezes ofender ao animal.O negro tem de se assumir como tal e pronto. se orgulhar de quem é e das suas origens.É difícil eu sei mas apesar de tudo avançamos muito.vai demorar? vai.No momento que não ofender mais, não vamos nos importar com que imbecis joguem no campo ou na nossa vida.

  8. marlus disse:

    ainda bem que temos colunistas como voce, inteligente, direto, que nos diverte, mais na hora certa dá o recado. … eu tambem nao sou macaco , nao!

  9. Van disse:

    Acho que o mais importante nessa história toda é nos questionarmos mais profundamente sobre o racismo, principalmente no cotidiano. Não sei o que a equipe responsável pela campanha quis dizer com o “slogan”. Entretanto, entendi que o “somos todos macacos” remete exatamente a nossa origem única, enquanto espécie, pois é isso que a Ciência nos mostra. Somos sim, Primatas, o grupo popularmente chamado como o grupo dos macacos. Se for isso, então, é bastante pertinente.

  10. Joelma Vieira disse:

    Eu sou um ser humano, negra e que como boa brasileira, trabalho para ganhar o pão do dia a dia. Não vou me por no lugar de macaco só para fazer parte dessa massa (povo marcado, povo feliz…), porque uma frase proferida por um sem noção está batendo recordes nas redes sociais e sendo curtida por outros milhares de pessoas sem senso crítico ou inocentes de pai, mãe e parteira.

    • Miguel Arcanjo Prado disse:

      Joelma, muito obrigado por sua opinião. Você está coberta de razão em citar a música… Abraços!

  11. Phillipe disse:

    De fato, é bem oportuno para algumas celebridades (o termo é bastante exato: “oportuno”) posar de pró-igualdade racial postando foto de banana. A questão é que, não bastasse a inexatidão do gesto – de alguns, absolutamente proposital, para gerar ainda mais lucro, seja financeiro, seja midiático -, pior é ter de encarar que o tal “gesto”, além de equivocado, é uma FARSA! Uma campanha previamente articulada, apenas esperando algo acontecer para vir à tona. Não somos macacos e também não deveríamos ser “bananas”. Agradeço a sua necessária reflexão e é interessante que alguém ainda chacoalhe as ideias, pois, em certo sentido, as redes sociais estão lobotomizando a sociedade: se celebridade X tirou “selfie”, uma multidão tira também; se celebridade Y posta foto segurando uma banana, outro tanto posta também e, do jeito que vai, se celebridade Z fizer algum ato verdadeiramente imbecil e postar nas redes sociais, é bem provável que o ato seja repetido também por alguns. É o império da repetição e da atitude acrítica!

    • Miguel Arcanjo Prado disse:

      Phillipe, obrigado pela opinião! O brasileiro precisa refletir mais sobre o que faz por estar na moda… Aquele abraço!

  12. Nina Rose disse:

    Oi Miguel, penso que é inaceitável o racismo. Jamais se deve tentar minimizar este tipo de atitude, inclusive por parte de quem é o alvo, pois ao contrário do que disse o jogador, não acredito que o fato de se ignorar ou tratar com desdém vai diminuir a gravidade do crime. Infelismente, falta educação, respeito ao próximo, às diferenças, etc. em todas as classes. o que é uma lástima. Também acho que o slogan deveria ser “somos todos humanos”. Por sinal, muito óbvio. Bjim!

  13. Nina Rose disse:

    Oi Miguel, penso que é inaceitável o racismo. Jamais se deve tentar minimizar este tipo de atitude, inclusive por parte de quem é o alvo, pois ao contrário do que disse o jogador, não acredito que o fato de se ignorar ou tratar com desdém vai diminuir a gravidade do crime. Infelizmente, falta educação, respeito ao próximo, às diferenças, etc. em todas as classes. O que é uma lástima. Também acho que o slogan deveria ser “somos todos humanos”. Por sinal, muito óbvio. Bjim!

  14. JOAO BATISTA MARQUEZ FREITAS disse:

    Eu também não sou macaco não, meu amigo!
    Me sinto mais um “banana” que tolero pacificamente aberrações midiáticas como essa e, não só até mas principalmente, essa enxurrada de corrupção em que o meu amado Brasil se afundou!
    Enquanto se tornou “bonito” bater no peito e se chamar “macaco”, esse povo precisa mesmo é se conscientizar dos “bananas” que somos, buscar se aculturar mais para que os “hienas” não tenham mais chance de, por meio do nosso voto, chegar aos cargos de governo/legislativo/judiciário de nosso país!
    Sonho com esse dia, em que nem macaco e nem banana, sejamos apenas o povo brasileiro efetivamente são e soberano.
    Até mais!
    João Freitas
    #eunaosoumacacoenembanana

    • Miguel Arcanjo Prado disse:

      João, falou tudo. Aquele abraço e obrigado pela leitura e pelo comentário inteligente!

  15. Homo sapiens sapiens disse:

    Humanos fazem parte do grupo Hominidae (hominídeos), uma família de primatas simiiformes (símios) extremamente similar aos macacos, porém com alguns detalhes distintos, tais como porte físico, complexidade e tamanho do córtex cerebral, a falta da cauda (que se retrai no estágio embrionário), formato das narinas, etc. Na linguagem coloquial, porém, o termo “macaco” possui sentido mais amplo, abrangindo toda a ordem dos primatas; muitas pessoas chamam outros hominídeos, como gorilas e chimpanzés, lemuriformes (lêmures), tarsiiformes (tarsos) e outros primatas de macacos, mesmo que estes não sejam biologicamente classificados como tal. Logo, chamar humanos de macacos, apesar de cientificamente impreciso, não é necessariamente errado. Não vejo, portanto, nenhum motivo racional para a reclamação. E quem usa o termo “macaco” pejorativamente para mim não passa de um analfabeto científico, um grande boçal.

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