Coluna do Mate: Teatro faz comunicação direta e cúmplice com a gente da Sampa Desvairada

SP: “Tudo nela é grande, potencializado, contrastante; a cidade parece nunca dormir” – Foto: Eduardo Enomoto

Na “Sampa Desvairada”, uma “sinfonia paulistana” de gente, fazedora da teatro, ocupa todos os espaços, buscando formas de comunicação direta e cúmplice

Alexandre Mate, pesquisador de teatro: Foto: Bob Sousa

Por Alexandre Mate
Especial par ao Atores & Bastidores*
Fotos de Eduardo Enomoto
e Bob Sousa


A cidade de São Paulo é uma grande megalópole: tudo nela é grande, potencializado, contrastante. Problemas de todas as naturezas, decorrentes, sobretudo, do excesso de gente. Gente de todos os cantos do Brasil e do mundo, que se desloca sem parada.

A cidade parece nunca dormir. Em quase todas as horas e lugares, há sempre muita gente, filas, concentrações instantâneas de gente. Os transportes públicos estão sempre lotados, as ruas – na condição de um organismo vivo – pulsam inquietas, nervosas, coloridas… Gente sozinha, em dupla, em coro, em bando.

Gente que anda; que contempla; que trabalha; que corre de polícia e de bandido; gente que interfere e protesta nas ruas da cidade; gente, lembrando o grande poeta russo Vladimir Maiakóvski, que nasceu para brilhar…

Nas histórias oficiais, aparece a informação segundo a qual a cidade foi fundada pelo jesuíta-dramaturgo José de Anchieta; o grande autor e pesquisador Mário de Andrade chamou-a de “Pauliceia Desvairada”; Caetano Veloso (inspirado na música Ronda, de Paulo Vanzolini), difundiu o nome “Sampa”; Billy Blanco, em momento inspiradíssimo, compôs a belíssima Sinfonia Paulistana; Tom Zé revelou em música a cidade ser seu amor…

“A cidade não é só caótica, inflacionada de problemas, SP abriga sua valorosa gente” – Foto: Eduardo Enomoto

A cidade não é só caótica, super inflacionada de problemas, São Paulo abriga sua valorosa gente. Sua beleza natural foi quase toda suplantada, perdida, transformada… Entretanto, a cidade tem como maior riqueza sua gente e sua permanente capacidade de transformação.

A produção teatral dos artistas da cidade (e não importa de onde esses fazedores de teatro tenham vindo), decorrente de uma questão de motivos, encontra-se atualmente entre as mais prestigiadas do mundo. Grupos de teatro paulistano participam de mostras e festivais em todo o Brasil e em muitos pontos do planeta.

Evidentemente, em todo o Brasil, existem muitos grupos de teatro, mas, na cidade de São Paulo, são mais de 250 grupos em atividade permanente e constante. Trata-se de um verdadeiro fenômeno. Talvez em número e em qualidade, na América Latina, apenas Bogotá (Colombia), que vem de uma significativa produção teatral, tenha uma produção semelhante à da cidade de São Paulo.

Desse modo, ao lado de hospitais de ponta, de centros de pesquisa avançados, de escolas prestidigiadíssimas – em todas as áreas -, de museus imponentes, de festas populares resistentes e tradicionalíssimas, a produção teatral paulistana encontra-se entre os grandes patrimônios da cidade. 

“São mais de 250 grupos de teatro em atividade permanente e constante em São Paulo” – Foto: Eduardo Enomoto

Desde a década de 1980, inúmeros artistas e grupos de teatro participaram dos processos de democratização do País. Muitos artistas deixaram os palcos para, como tantos outros trabalhadores, ocupar as ruas em prol da democratização que, basicamente, compreendeu o processo de Anistia (1979); as Diretas Já! (1983 e 1984); a criação e promulgação da Carta Magna (1988); as eleições para presidente do Brasil (1892); o processo de deposição, em 1992, do presidente eleito em 1989 (Fernando Collor de Mello), conhecido pelo nome de impeachment…

Muitas lutas políticas e sociais, ao levarem os artistas para as ruas, acabaram por trazer novas necessidades de o teatro assumir um papel mais social, e levar novos temas para os espetáculos. De certo modo, decorrente desse processo, o sujeito histórico-social passou a ser muito mais importante do que o indivíduo isolado. Uma parte da produção teatral passou a trabalhar com as personagens coletivas, em coro.

Ainda decorrente desse processo de luta, durante a década de 1990, na cidade de São Paulo, muitos artistas passaram a se reunir, em um evento batizado Arte Contra a Barbárie. Nesses encontros, artistas individuais ou ligados a grupos de teatro, passaram a defender a ideia de que o teatro não era uma mercadoria, de que o teatro era uma obra artística e coletiva.

Um lugar repleto de grupos: “O teatro na cidade de São Paulo é febrilmente intenso” – Foto: Eduardo Enomoto

Desses encontros, e fruto de muita luta, surgiu uma lei para o chamado teatro de grupo da cidade de São Paulo, promulgada no governo da prefeita Marta Suplicy (que entra em vigor em 2002). Nessa lei, conhecida popularmente como Lei de Fomento, a Prefeitura de São Paulo distribui um significativo montante econômico para o teatro de grupo da cidade, em duas edições por ano.

Fazem parte dessa categoria os criadores e trabalhadores que pensam o teatro não como uma mercadoria. Assim, até trinta grupos da cidade, apresentam projetos de ação teatral (com duração variada) e contrapartida social. Para analisar os projetos, é montada uma comissão, constituída por três integrantes eleitos pelos seus pares, três integrantes indicados pela Secretaria de Cultura do Município e um presidente, que apenas vota em casos de empate.

Muitos grupos já foram contemplados com a referida lei. No momento de escolher o que assistir, os fãs de teatro podem ficar feito uma biruta, cujos ventos ventam para todos os lados e sentidos. De acordos com algumas pesquisas, são mais de dois espetáculos que estreiam por dia na cidade de São Paulo…

O que assistir? Que escolhas fazer?  Se se somar o número de espetáculos aos 350 dias do ano (descontando uns 15: dias de 25 de dezembro a 5 de janeiro) são aproximadamente 700 espetáculos por ano.

O número de escolas de formação de intérpretes e também o de licenciatura (formação de professores e professoras) é bastante significativo na cidade. Desse modo, costuma-se dizer que grande parte do número de espectadores e espectadoras da produção teatral paulistana corresponde àqueles que já passaram por alguma produção teatral.

O palco não para nunca na cidade: São Paulo soma 700 espetáculos de teatro por ano – Foto: Eduardo Enomoto

O fato é que o teatro na cidade é “febrilmente intenso”. Não se pode dizer, ainda, que a atividade faça parte da cesta básica da população, entretanto, atualmente, há grupos de teatro sediados nas cinco zonas da cidade. Muitos são os grupos sediados e em exercício pela cidade cujos nomes ainda não aparecem nos documentos oficiais, mas que já são conhecidos por parte significativa da população.

Impossível apresentar aqui os nomes de tantos grupos espalhados pela cidade (o texto precisa ser curto), mas, prezadíssimo leitor e leitora, faça um esforço: que grupos de teatro você conhece? Que grupo(s) ou grupo(s) de teatro estão ambientados e têm sede no bairro ou cidade em que você mora? Você se lembra de algum nome de grupo formado, eventualmente, nas escolas em que estudou?

O grande dramaturgo brasileiro (e morador em Ribeirão Pires, na grande São Paulo), Luís Alberto de Abreu, afirma em um de seus belos textos chamado Um Dia Ouvi a Lua, que nós todos somos 50% razão e 50% mistério.

Então, que mistérios são esses que fazem com que nós, tantas vezes, nos emocionemos tanto com o teatro, seus temas e suas personagens? Que mistérios levam tantos homens e mulheres, de todas as idades, a quererem fazer teatro? Tudo dando certo, no próximo mês, pretendo apresentar os nomes de alguns  grupos de teatro e seus espetáculos maravilhosos.

*Alexandre Mate é professor do Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista), pesquisador de teatro e integra o júri do Prêmio Shell de Teatro. Ele escreve no blog sempre no dia 1º. 

“Que mistérios levam tantos homens e mulheres, de todas as idades, a quererem fazer teatro em São Paulo?”, pergunta o pesquisador teatral e professor da Unesp Alexandre Mate – Foto: Eduardo Enomoto

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