Crítica: Colombianos fazem do narcotraficante Pablo Escobar um mito para criticar guerra à droga

Colombiana Agnes Brekke vive apresentadora de TV fútil na obra com discursos de Pablo Escobar – Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado
Enviado especial do R7 a São José do Rio Preto (SP)*

Pablo Escobar foi o mais importante narcotraficante mundial na virada dos anos 1980 para 1990.

Ao vender cocaína ao mundo todo sem a bênção dos grandes traficantes globais, logo virou um homem odiado, sobretudo pelos Estados Unidos. Foi catalogado de perigoso, procurado e seu fim foi trágico: assassinado em uma emboscada em 2 de dezembro de 1993.

Mas a morte só ajudou a transformar seu nome em mito. Na Colombia, Pablo Escobar é lembrando em séries de TVs, documentários e, agora, também no teatro. Afinal, ele foi uma espécie de Robin Hood do narcotráfico.

Foi o político que usou o dinheiro advindo do tráfico de cocaína, mesmo que de forma demagógica, em benefício dos pobres latino-americanos.

Mito ressuscitado

O mito Pablo Escobar é ressuscitado pelo grupo colombiano Mapa Teatro na peça Discurso de un Hombre Decente, que abriu o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, o FIT 2013. O evento é organizado pelo Sesc Rio Preto em parceria com a Prefeitura de São José do Rio Preto, cidade do interior paulista. A peça fará duas apresentações nesta semana na capital paulista, no Sesc Vila Mariana (veja serviço ao fim desta reportagem).

A montagem tem dramaturiga e direção dos irmãos Heidi e Rolf Abderhalden. A dupla organizou uma encenação que mistura projeções, performances e música ao vivo executada por uma pequena orquestra. Não há como dar classificação à obra. É uma mistura de variadas nuances artísticas, formando um todo que provoca sensações visuais e sonoras. A peça é bem mais ousada do que as classificações permitem. E este é seu grande charme.

A base são discursos proferidos em comícios por Pablo Escobar, que chegou a ser eleito deputado na Colômbia. O mote da obra é um papel encontrado no bolso do chefe do cartel de Medellín logo após sua morte e que ficou por muito tempo em poder da CIA norte-americana: tratava-se de um discurso de posse presidencial. Pois Escobar tinha certeza de que chegaria lá.

Imagem de Pablo Escobar aparece projetada – Divulgação

Cores e nomes

A obra flerta com o documentário, bem como com a ficção. É absurda e crível ao mesmo tempo. O cenário, composto de plantas tropicais, é um verdadeiro deslumbre verde. As coloridas e espalhafatosas roupas da banda e da apresentadora também trazem um ar tropicalista à montagem.

Em busca da realidade, mas de caráter surreal, como Jean Paul-Sartre nos classificou, a peça chega a levar ao palco um especialista em drogas para explicar como as mesmas agem no organismo humano, logo no começo da encenação.

Para as apresentações no FIT foram convidados os psiquiatras Cassiano Coelho (que participou da sessão vista pelo R7) e Lezslo Ávila.

Apresentadora fútil

Bastante à vontade, já que domina o tema, o especialista é sabatinado por uma apresentadora de TV bem mais preocupada com sua imagem na tela do que com as respostas. A atriz Agnes Breckke defende com propriedade e muito carisma a personagem, arrancando risos da plateia pela situação bizarra de suas poses sensuais diante de um tema tão grave.

Em conversa com o R7 após a apresentação, Agnes diz que as caras e bocas que faz são uma espécie de “toque teatral” para o momento não parecer uma conferência. E chama a atenção para um fato.

A atriz colombiana Agnes Brekke – Foto: Divulgação

– Nós, latino-americanos, estamos acostumados com esta figura de apresentadora de TV vazia e burra, que não faz ideia do que está perguntando. Apenas lê as fichas que lhe foram dadas. Nos países latino-americanos, o público tem essa referência e ri. O curioso é que, quando nos apresentamos na Europa, o efeito não aconteceu. Porque esse perfil de apresentadora é uma coisa muito nossa.

Se a peça chama a atenção nesta cena, em outras se arrasta por demais nos mesmos efeitos. E também termina de forma abrupta e repentina. Deixando a sensação de que faltou algo mais. Mas impõe seu discurso e provoca, sobretudo com os discursos desafiadores de Escobar, incorporados pela potente voz de Jaison Castaño, rapper colombiano que atua na obra.

Drogas e vítimas

Esta é a segunda vez que o Mapa Teatro está no Brasil. Na primeira, há dois anos, se apresentou em Santos e em São Paulo, também a convite do Sesc.

A diretora Heidi Abderhalden não gosta que classifiquem a peça como a história de Pablo Escobar. “Porque não é isso”, enfatiza. Ela prefere dizer que a obra “aponta para a guerra contra as drogas, que já provocaram vítimas em demasiado na Colômbia e na América Latina”.

– Para fazer a peça tivemos o auxílio de um especialista em retórica. É como se fosse um momento de delírio. Nós defendemos, com este trabalho, a derrota da guerra contra a droga. Porque ela é violenta. Deve acabar! Não estamos defendendo a legalização completa das drogas, mas achamos que os políticos latino-americanos precisam discutir este tema e buscar, junto com a sociedade, novas soluções.

Danilo Jimenez (foto) trabalhou com Pablo Escobar – Divulgação

Músico conheceu Pablo Escobar

O talismã da peça é o simpático músico Danilo Jimenes, 74 anos, da Banda Marco Fidel Suárez, que tem 70 anos de história e faz, ao vivo, a música da peça.

O grupo musical tocou para Pablo Escobar em vários comícios e chegou a ser vítima de um atentado no qual três instrumentistas morreram e a mulher de Jimenes ficou gravemente ferida, vindo a morrer depois.

Ele conversou com o R7 e lembrou desta época de muito sofrimento para ele e seus amigos.

– Tenho muitas lembranças ingratas porque passamos muito mal esta época. São lembranças difíceis, mas necessárias.

Ele mantém viva suas lembranças de Pablo Escobar.

– Pablo Escobar era um homem respeitoso comigo sempre. Foi uma figura lendária. Dava dinheiro e presentes para os pobres tratando de ganhar votos. Porque seu sonho era chegar à Presidência. Mas, por ironia do destino, o homem que realizou o sonho de tanta gente não conseguiu realizar seu grande sonho.

Elenco do Mapa Teatro agradece os aplausos: obra discute a guerra contra as drogas – Divulgação

*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do FIT Rio Preto 2013.

Discurso de un Hombre Decente
Avaliação: Bom
Quando: Terça e quarta, 9 e 10/7/2013, às 21h. 60 min. Únicas apresentações
Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, São Paulo)
Quanto: R$ 3 a R$ 24
Classificação etária: 16 anos

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1 Resultado

  1. Felipe disse:

    Vários assuntos para um “post” só:
    1. De fato, isso das apresentadoras desatentas é verdade. Eu, por exemplo, gostava da postura de Ana Maria Braga antes da fase Globo. Depois, só lamento. Acho o programa dela, em sua maior parte, bem fútil, com aquelas entrevistas desinteressantes com atores da emissora e, principalmente, ex-BBBs. Em quê a fala de ex-BBBs irá mudar a minha vida?
    2. A questão das drogas deve ser discutida, pois é um tema de seriedade.
    3. Ainda que discorde do que ele fez, é fato que Pablo Escobar foi, historicamente, um “Robin Hood”. Correta essa afirmação no texto. Ainda de que forma incorreta, mas foi, sim.
    4. Parabéns pelo texto! Informativo, ouviu diferentes falas, abordou a questão sob vários prismas. Jornalista que sabe o seu ofício é outra coisa… Congratulações, Miguelito!

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