Entrevista de Quinta: “Quero ser um artista que não precise de atividades paralelas”, diz Luiz Antônio Jr

Aos 28 anos, Luiz Antônio Jr. faz e acontece com A Outra Cia. de Teatro – Foto: Andréa Magnoni

Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Andréa Magnoni

Luiz Antônio Jr. saiu outro dia do cinema de um jeito que nunca se sentiu. Foi após ver o filme brasileiro Elena, de Petra Costa. Diz que a obra ainda reverbera nele. O faz pensar e refletir sobre a profissão que escolheu: ser ator.

Conseguir ir ao cinema não é tarefa fácil. Afinal, o ator está mergulhado até a alma nas atividades de A Outra Companhia de Teatro. Formado por ele, Roquildes Junior, Eddy Veríssimo, Luiz Buranga e Israel Barretto, o grupo vem fazendo barulho em Salvador e Brasil afora.

Luiz é baiano de Alagoinhas, onde nasceu em 13 de agosto de 1984. A beleza lhe fez ser eleito Muso do Teatro R7 pelos internautas do portal. Mas, ele é muito mais do que uma capa. Tem posicionamento político e outras coisas mais.

Além de ver bons filmes, gosta de ler a obra do moçambicano Mia Couto e de ouvir boa música. Vai de Marcelo Camelo a Daniela Mercury, passando por Aviões do Forró, Chico, Caetano, Tiê, Tulipa Ruiz e Bruna Caran.

É filho de Angela Maria Gonçalves de Castro e de Luiz Antonio Pereira de Sena, de quem herdou o nome. Direto de Salvador, Luiz conversou com o Atores & Bastidores do R7 nesta Entrevista de Quinta. Falou sobre o teatro, A Outra, a vida e os sonhos.

Leia com toda a calma do mundo:

Baiano de Alagoinhas, o ator Luiz Antônio Jr. escolheu dedicar sua vida aos palcos: “Acho que queria ser obstetra, mas quando comecei a fazer teatro, ví que era possível criar vida e nascer de outras formas – Foto: Andréa Magnoni

Miguel Arcanjo Prado – Como foi sua infância, Luiz?
Luiz Antônio Jr. – Meus pais se separaram quando era pequeno. Cresci com minha mãe e meu irmão, que pouco depois foi morar com meu pai numa outra cidade. Sempre fui daquele menino que estuda e quer descobrir o mundo.

O que você queria ser quando crescesse?
Na escola, quando tinha sete anos, pediram para desenhar “o que você quer ser quando crescer?” Eu desenhei um médico fazendo o parto de uma mulher. Acho que queria ser obstetra. O ato de nascer me encantava muito, cuidar do outro era algo que me tocava… Depois, quando comecei a fazer teatro, entendi que era possível criar vida e nascer de outras formas.

E como que o teatro surgiu?
Comecei já grande, com uns 17 anos. Uma prima me ligou, dizendo que tinha um grupo de teatro aberto para novos integrantes. Marcamos de ir juntos. Cheguei meio acanhado. Fui fazendo as oficinas, fiz um teste e entrei para o elenco da montagem, em novembro de 2002. Daí, não parei mais. Esse grupo acabou, eu criei um outro com alguns amigos e, na sequência, fui fazer vestibular para artes cênicas na UFBA [Universidade Federal da Bahia], aqui em Salvador, e depois veio A Outra.

E como foi a mudança para Salvador?
Eu vim a Salvador por conta da universidade. Fiz o vestibular escondido. Só minha mãe sabia. As pessoas só começaram a saber quando viram meu nome na lista dos aprovados. Não foi uma mudança simples. Lá em Alagoinhas, eu já cursava a faculdade de Biologia na Uneb [Universidade do Estado da Bahia], ou seja, já tinha dado o pontapé numa carreira.

E largou tudo para estudar artes cênicas.
Cortar tudo e mudar foi difícil para todos, especialmente para minha mãe – éramos somente eu e ela. No entanto, ela era minha maior aliada e me apoiou em tudo. Com meu pai que a coisa foi tensa: ele não aceitava ter investido num filho que estudou em escola particular e agora queria ser artista. Chegou a fazer uma reunião com meus outros irmãos, onde me disse que não precisava de vestibular “para fazer vagabundagem”. Naquele momento, cortamos relações e eu segui meu caminho.

Não deve ter sido fácil para você, eu posso imaginar. O que foi mais difícil nessa mudança?
Apesar do conflito com meu pai, o mais difícil era estar numa cidade que eu não conhecia de fato, longe de meus amigos, de minha casa, minha mãe… Tendo de me virar sozinho… Eu não sabia nem pegar ônibus, pense?! E na faculdade, eu era dos muito poucos que não eram de Salvador, aí ficava no canto… Levei um tempo para me adaptar e integrar à turma de verdade.

O ator Luiz Antônio Jr. fez o vestibular para artes cênicas escondido da família – Foto: Andréa Magnoni

Qual a melhor lembrança você tem dessa época?
Eu lembro muito do primeiro semestre quando a professora Adelice Souza me disse, no último ensaio para a mostra final, “Você não escolheu isso? Então coragem, diga tudo o que você quer dizer!”. Lembro ainda da montagem de formatura, em 2007, quando recebi um bilhetinho de Harildo Deda, que estava dirigindo o espetáculo, dizendo algo como “não tenho nada o que falar de você, está ótimo! é por aí”. Aquilo me encheu os olhos de lágrima e até hoje quando olho o bilhetinho grudado na parede do meu quarto.

Agora vamos para o presente. É verdade que A Outra inaugurou sede própria?
Sim! Estamos de casa nova! Fica pelo centro de Salvador, no Centro Comercial Politeama. Tem placa e tudo na fachada! É um momento especial do grupo, como o filho que cresce e vai pra sua casa trilhar seu caminho, sabe? Cada dia é uma alegria, comemoramos a internet quando chegou, o telefone, as mesas, as cortinas… Agora, comemoramos a chegada de cada um que passa por lá pra dar um abraço, tomar um café, trocar uma ideia… Estamos felizes!

Fico feliz por vocês. Mas vou perguntar algo complicado: como vão pagar as contas [risos]?
A gente tem se organizado a partir dos projetos que fomos contemplados. No ano passado, tivemos três projetos aprovados no Prêmio BNB de Cultura e um no Fundo de Cultura do Estado da Bahia. Estamos correndo atrás, do mesmo modo que era quando estávamos no Teatro Vila Velha. Vamos fazendo festivais, enquanto criamos novo espetáculo e trocamos com outros artista, apresentamos em escolas, do mesmo modo que escrevemos projetos. Para esse ano, estamos com a conta do aluguel já paga! Ufa! Estamos correndo atrás dos custos da manutenção. Avante!

Como você avalia a evolução de A Outra Cia de Teatro?
A gente mudou muito e ainda está num processo de transformação, mas hoje com mais consciência e maturidade. O grupo começou como atores reunidos para uma montagem. Dali, surgiu outra peça, outro espetáculo, até que pintou a ideia de que era possível viver desse ofício e foi quando começamos a lidar com os editais. Pelo menos, já tínhamos o dinheiro para o transporte e o lanche do ensaio [risos]. Fomos encontrando amigos e criando projetos que nos fortaleceram, alguns saíram, outros entraram e saíram também, criamos estratégias de divisão de grana, definimos funções e esquecemos isso tudo, até chegarmos nessa configuração que somos: todos atores e fazedores das funções do que chamamos de pré-cena: produção, cenografia, iluminação…

Vocês conseguem se manter com a arte que fazem?
Hoje, vivemos todos do que o grupo gera, acho que chegamos num lugar que batalhamos para manter, porque nem todos os grupos de teatro do Brasil conseguem isso, as condições para os artistas são bem difíceis nessa nossa terra verde-amarela. Enfim, crescemos e não paramos… Acho que estamos no meio da roda para crescer!

“Eu quero chegar num tempo-espaço onde possa ser artista que vive de seu ofício, sem se dividir em milhões de outras tarefas paralelas”, Luiz Antônio Jr.

Aonde você quer chegar?
Nossa! Eu quero chegar num tempo-espaço onde possa ser artista que vive de seu ofício, sem se dividir em milhões de outras tarefas paralelas… Eu, hoje, queria ser mais ator que produtor. Ainda que eu tenha um tesão imenso pela produção, e por isso fui seduzido por ela [risos].

Luiz, qual sua opinião sobre as atuais manifestações no Brasil?
Nós no Brasil estamos começando a perceber que é preciso soltar o verbo, expor suas opiniões e não só nas redes virtuais como alcoviteiras que falam da janela sobre a vida do outro com os braços cruzados. É fato que o Brasil está mudando, sim! O problema é que tem aqueles que aproveitam esse movimento das manifestações no País para se promoverem ou para vandalizar, mas o que o movimento quer mesmo é mudar o País que está aí, sendo regido por políticos corruptos que continuam um esquema sujo de política para si, com uma saúde precária matando cidadãos que pagam impostos elevadíssimos. E ainda uma grande massa sendo dizimada pela fome, pela seca, pela aparência das capitais para uma Copa que vai deixar um monte de elefante branco por aí. Sou a favor total das manifestações e fui às ruas também.

Agora vamos falar de outro assunto, bem mais leve [risos]. Você foi eleito muso do teatro R7… Você se acha bonito?
Eu nunca me achei bonito de verdade, mas de uns tempos pra cá tenho começado a me perceber e aceitar que tenho um negócio que me faz interessante [risos]. Quando pego fotos antigas e comparo com hoje digo logo: o tempo me fez muito bem [risos]. Quando comecei a malhar vi muitos amigos tomando “bombas” e crescendo, crescendo… Hoje, olho e penso “queriam ser bonitos e gostosos, acabaram virando um pokemon”. O fato é que bonito ou não, penso que o importante é cuidar de si.

Qual o pior e o melhor momento que você viveu com A Outra?
A saída de Vinício de Oliveira [que dirigiu o grupo até 2009] foi bem delicada. Estávamos no Teatro Vila Velha, onde éramos “conhecidos” como o grupo de Vinício, e de repente não teríamos mais esse selo, ao mesmo tempo que não tinha em vista um outro diretor ou algo assim. Mas, essa saída nos fez entender que éramos um grupo de todos e não de uma pessoa. Começamos um novo momento no qual não tínhamos um diretor, ainda que eu dirigisse um ou outro espetáculo, não seria o cabeça que manda em todos. Somos parceiros, somos sócios, estamos juntos! Nesse momento de virada, tive meu tesão por teatro renovado, vi nos olhos daqueles a potência para seguir. Acho que esse foi o melhor e o pior momento junto ao grupo.

Vocês estiveram em São Paulo em 2012, quando visitei o apartamento em que vocês tinham herdado do Magiluth em frente ao Minhocão. Qual a maior lição vocês tiraram desta época?
Ah! A passagem por Sampa nos conectou bastante! Ali, encontramos o estímulo e o caminho para criarmos o novo espetáculo que estreará no segundo semestre chamado O Que de Você Ficou em Mim. O afastamento de nossas casas, o estar longe de nossos pares de teatro baiano, a solidão de começar um caminho numa cidade que nos engolia, nos fez olhar pra si e agora surge esse novo “filho” que traz o modo de levar a política para o palco, que aprendemos com os artistas e grupos de São Paulo, mas também com a musicalidade e o jeito baiano de fazer teatro na garra. Afinal, somos poesia e piada caminhando juntas.

Luiz Antônio Jr. foi a manifestações nas ruas de Salvador: o teatro dele tem crítica política – Foto: Andréa Magnoni

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3 Resultados

  1. anaclara disse:

    eu adoro seu trabalho

  2. lucas disse:

    Eu tambem adorei seu trabalho mais como faco para ser igual a voce

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