Crítica: Musical banaliza obra de Milton Nascimento

Musical homenageia Milton Nascimento, mas não perto da força do original – Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado

Milton Nascimento faz parte do primeiro time da MPB. Reverenciado pelos grandes, tem 70 anos de vida e uma carreira de 50 anos na qual criou um estilo que marcou para sempre a música de Minas, do Brasil e do mundo. Assim como seu conterrâneo Guimarães Rosa, ele conseguiu tornar o local universal, “ser do mundo, ser Minas Gerais”.

Mexer em tão expressiva obra é arriscado. A dupla de diretores Charles Möeller e Claudio Botelho resolveu tentar e fez o musical Milton Nascimento – Nada Será como Antes, em cartaz no Teatro GEO, em São Paulo.

Möeller e Botelho são nomes tarimbados quando o assunto é reproduzir no Brasil musicais consagrados na Broadway. Tanto que ganharam a merecida alcunha de Reis dos Musicais — o ótimo O Mágico de Oz, em cartaz no Teatro Alfa, é um exemplo de acerto dos dois. Contudo, ao se embrenharem em um terreno bem mais complexo, o da canção brasileira, os dois acabaram reproduzindo uma sequência de clichês que, em vez de homenagear, banaliza a obra de Milton Nascimento. Ela até está lá, mas sem essência alguma.

O musical, orçado em mais de R$ 1 milhão, não se propõe a contar a vida de Milton. O que faz é sequenciar uma seleção de canções do mestre por uma hora e meia, divididas em estações do ano. Mas este não é o problema. O incômodo vem de como elas são apresentadas.

Cantores do musical de Milton executam obra prima da MPB como se fosse trilha da Disney

Negros são míseros 14%

O elenco até se esforça, mas já começa devendo num primeiro olhar. Apenas dois atores são negros, Cássia Raquel e Wladimir Pinheiro – que sequer aparecem no cartaz do musical. Eles representam míseros 14% do total, enquanto são brancos 86% do elenco de um musical sobre um artista negro. Mas também este não é o problema. É fato que a música de Milton é universal e não pode ser classificada dentro de uma etnia, mas no mínimo seria elegante ter mais vozes negras no coral.

Apesar de terem as mais belas vozes, nem os dois atores negros conseguem salvar o elenco, que peca no global por falta de carisma ou presença cênica. A sensação que se tem é que ninguém sabe ao certo o que canta. É como se o elenco de Malhação fosse convidado a subir ao palco e cantar. Não há alma. Se Elis Regina, maior intérprete da obra de Milton além do próprio, estivesse viva para ver, provavelmente não suportaria ficar até o final.

Che Guevara de boutique

São plastificados e corretinhos demais. Parecem saído de um comercial de refrigerante. Até quando buscam alguma ancestralidade africana no batuque e no jogar de cabelos, o fazem de uma forma aparentemente sem consciência. Pedro Sol, que assume ares de galã da trupe, causa constrangimento ao surgir fantasiado de Che Guevara de boutique para cantar Para Lennon & McCartney.

Nos Bailes da Vida ganha arranjo americanizado. Outras músicas emblemáticas como Paisagem da Janela são apresentadas em forma de spot radiofônico de 30 segundos, perdendo sua força na forma banal como são apresentadas. Arranjos de qualidade duvidosa também estão presentes em Nuvem Cigana e Girassol. E Clube da Esquina n°2 é entoada com esforço perceptível e as notas não chegam a contento.

Paula e Bebeto dói nos ouvidos e a coreografia rasa de Encontros e Despedidas é totalmente desnecessária, assim como o topless de Tatih Köhler simulando ser uma sereia. Surge gratuito e injustificável artisticamente. Parece que alguém, no meio dos ensaios, sugeriu: acho que falta alguma das meninas mostrar os seios.

Outro fator de irritação é a pressa com as músicas surgem, não permitindo envolvimento com sua mensagem. Antes a direção houvesse feito cortes que permitisse maior apreciação das escolhidas. Falta paciência com a própria obra que querem homenagear.

Barroco de loja de departamentos

O cenário assinado por Rogério Falcão tenta reproduzir o que seria uma casa mineira. O trenzinho de madeira no canto do palco talvez seja o único respiro real de Minas que paira pelo cenário. Mas as pinturas na parede lembram uma peça publicitária de uma coleção passada de loja de departamento de shopping. É um barroco mercantilizado e empastelado. Aleijadinho morreria de pena se visse.

Os figurinos vão pela mesma linha. As roupas assinadas por Charles Möeller parecem saídas da mesma coleção passada de loja de departamento que inspirou o cenário.

Enquanto o Milton Nascimento real foi imortalizado com camisetinhas e suando bicas nos clipes do Fantástico, o elenco, que não derrama uma gota sequer de suor, veste uma quantidade absurda de casacos pesados, que estão mais para Suécia do que para Minas Gerais.

Limpinho e certinho, o elenco do musical peca no quesito carisma e personalidade

A tentativa de coreografar algumas canções com mexer de cabeças e balanços para os lados parece muitas vezes primária, salvo quando, o elenco simula um trem utilizando o recurso simples das caixas no palco.

Bola de Meia, Bola de Gude parece um momento de teatro de quermesse. Mas talvez falar em quermesse seja demais para um musical que parece colocar Minas e Texas num mesmo balaio, já que as meninas usam botas de couro e jaquetas com franjas countries.

Falta personalidade

A força de nossa música sempre esteve na composição única e no canto cheio de personalidade de nossos artistas. E Milton Nascimento, com sua voz reverenciada por nomes como Mercedes Sosa e Elis Regina, é um de nossos maiores representantes. Por isso, assusta ver o elenco cantar sua obra como se fosse trilha de animação da Disney. Dá vontade de citar Caetano e dizer: “Vocês não entendem nada”.

Mas a surpresa mais ingrata é ver Canção da América cantada em inglês. É triste ver a música que marcou um período em que o Brasil retomava a democracia roubada pelos militares, que desapareceram com tantos amigos nos porões da repressão, entregue dessa forma ao idioma colonizador. É ver prostituída uma canção emblemática e símbolo de quem perdeu a vida resistindo justamente a isso.

Feito para homenagear, o musical Milton Nascimento – Nada Será como Antes parece empobrecer a música de Milton Nascimento, transformando-a em uma cópia pausterizada para ser vendida em prateleira de supermercado. A montagem é fraca e sem força. Tudo o que, definitivamente, Milton Nascimento não é.

Milton Nascimento – Nada Será como Antes
Avaliação: Fraco
Quando: Sextas, às 21h30. Sábados, às 19h e 21h30. Domingos, às 19h. 90 min. Até 26/5/2013
Onde: Teatro GEO (Rua Coropés, 88 – Pinheiros, Metrô Faria Lima, São Paulo, tel. 0/xx/11 3728-4929)
Quanto: R$ 100 a R$ 150
Classificação etária: 12 anos

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3 Resultados

  1. Mauro disse:

    Amei, o espetáculo, fui na pré estreia e o Milton estava lá em nenhum momento ele pareceu não gostar da homenagem, o mesmo em entrevista disse que achou perfeito, bom gosto não se discute, pra quem deu 3 estrelas para Alo Dolly que é um horror de mal feito

  2. João Pedro disse:

    Finalmente alguém percebeu a fraude que é essa dupla.
    Quem assistiu sassaricando ou Beatles no céu de diamantes e agoraesse show viu do que esses dois são capazes quando realmente tem de criar. Todos shows iguais.
    Reis dos musicais é um título dado pela imprensa carioca, que em SP mostra que não é verdade. Eles não criam nada, tudo é copiado de outras produções. Quando lhes é dada a oportunidade de criar se atrapalham!!

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