Madame Bovary inspira peça punk de garagem

Mariana Senne (à dir.) e o ator basco Ieltxu Martinez Ortueta se unem por um sonho – Foto: Cacá Bernardes

Por Miguel Arcanjo Prado

Quem não sonhou ter uma banda? A atriz brasileira Mariana Senne e o ator basco Ieltxu Martinez Ortueta quiseram. Ele até foi mais longe e chegou, na adolescência, a fazer teste para vocalista, mas foi rejeitado na época. Contudo, nunca é tarde para se resolver este tipo de problema.

O espetáculo Madame B – Fita Demo, de certa forma, é embalado pelo velho sonho. A dupla chama a peça de “um espetáculo punk de garagem”. Como tal, não teria lugar melhor para a reestreia, após a temporada de sucesso no Sesc Pinheiros em 2012. A Casa Livre, espaço cênico alternativo localizado no número 107 da pequenina rua dos Pirineus, nos arredores do soturno Minhocão, em São Paulo, onde farão apenas 12 apresentações até o fim do mês.

Para completar, encontraram uma diretora aberta ao diálogo com os dois atores criadores, a sempre inclusiva Cibele Forjaz, que “tem abertura para escutar nossas utopias e horizontes”, como define Mariana, idealizadora do projeto.

Adrenalina e bovarismo

Depois de atravessar o trânsito infernal da região do Minhocão em pleno horário de pico, o Atores & Bastidores do R7 encontrou os dois atores e a diretora mergulhados na tranquilidade do aquecimento do último ensaio antes da estreia. Mariana diz que “a adrenalina é um alimento, uma delícia”. Enquanto Ieltxu arrisca um som na guitarra.

Apesar de a peça ter sido inspirada no livro Madame Bovary, de Gustave Flaubert, um dos principais clássicos da literatura mundial, Cibele conta que a obra “não é uma adaptação do livro, como foi em O Idiota [espetáculo que dirigiu com a mundana companhia, baseado na obra do russo Dostoievski]”.

— É uma recriação a partir do livro. A história é outra. É a da Madame B, uma brasileira, dos tempos atuais, e do gringo, um entregador.

Em tempos de sucesso do Facebook, onde as pessoas criam avatares de si mesmas, a peça propõe a discussão do bovarismo, termo inspirado no livro de Flaubert, como conta a diretora.

— O bovarismo é o desejo que as pessoas ou povos sentem de ser aquilo que não são. Tem muito a  ver com o consumo, com essa construção de uma pessoa fantasia, de uma máscara. No livro, a Madame Bovary compra tanto que acaba tendo um fim trágico por causa da dívida. A peça é uma banda punk de garagem que faz um manifesto antibovarista.

Estrutura de cine pornô

O texto é do português Jorge Louraço, que utilizou a estrutura de cine pornô para construir sua dramaturgia. Apesar do diálogo, ninguém tira a roupa em cena. Cibele conta que ficou feliz com o convite para dirigir, pois é “parceira e amiga” de Mariana há muito tempo.

— Dificilmente faço o meu teatro. Eu faço o nosso teatro. A Casa Livre e a Cia. Livre é uma zona aberta para parcerias e tensões. Aberta pra o encontro.

Antes de pensar o projeto, Mariana leu vários romances na intuição de que poderia achar algo para ser levado aos palcos. Quando se deparou com Flaubert não teve dúvida. Encontrou aquilo que “poderia dar jogo”. Logo, pensou na parceria com Ieltxu, com quem vinha tendo um namoro cênico há tempos. Ao ouvir a proposta, ele topou de cara.

Madame B – Fita Demo está em cartaz na Casa Livre, em São Paulo – Foto: Cacá Bernardes

Mariana revela que o processo de montagem “foi uma lida muito bruta”, que todos “vieram com garra”, mas não havia grana no começo, o que ela diz, sem papas na língua, ser “uma merda”. Após muita batalha, conseguiram o apoio do Proac [Programa de Apoio à Cultura] e, mais tarde, do Sesc, o que possibilitou que a encenação virasse realidade.

— No romance, ela é uma mulher que está na província, encantada com a ideia de ir para Paris. Trouxemos para perto de nós essa ideia. Quais são os nosso bovarismos? Nosso desejos mais íntimos, nossas ilusões perversas nunca alcançadas?

Sotaque na metrópole cosmopolita

Tantas perguntas mexeram com a cabeça de Ieltxu, que trouxe a contribuição de seu olhar especial, o olhar estrangeiro.

— O que é real na peça é o fato de eu não ser brasileiro. Sou um europeu que mora aqui há dez anos. A América Latina sempre teve esse olhar para a Europa. E isso está na peça. Ver no outro algo melhor e mais deslumbrante. O fato de eu estar aqui há tanto tempo me deixa enxergar que as coisas não são bem assim.

Ele conta que o fato de não ser brasileiro nunca foi problema para realizar o seu teatro em São Paulo.

— O que faço é muito autoral. Nunca escondi quem sou, o meu sotaque. Para mim, isso é natural. Em todos espetáculos sou eu, um ator basco, que tenho sotaque. Eu entendo perfeitamente o português. Já aconteceu de acharem que eu era um ator brasileiro criando um sotaque castelhano. Para mim isso é muito louco [risos].

Ieltxu ressalta que o espetáculo tem a cara de São Paulo.

— Estamos fazendo um espetáculo urbano, que tem o apartamento, o consumo, essa coisa da velocidade, de como o outro te enxerga. A nossa história é punk.

Antes de a reportagem partir, Cibele faz uma última e pertinente observação.

— Acho que é ótimo a peça estrear aqui em uma garagem, no lugar onde foi feita. É o lugar de ela partir para o mundo. Se você puder, coloque na matéria, por favor, que é uma temporada muito rápida. A gente precisa muito de um boca a boca. Então, peço a todos que corram e venham logo!

Madame B – Fita Demo
Onde: Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. 80 min. Estreia em 8/3/2013. Até 31/3/2013.
Onde: Casa Livre (r. dos Pirineus, 107, Metrô Marechal Deodoro, São Paulo, tel. 0/xx/11 3257-6652)
Quanto: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)
Classificação etária: 14 anos

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3 Resultados

  1. Felipe disse:

    Aprecio a estética “punk”. Acho que o “punk”, enquanto movimento, foi útil no sentido de dar visibilidade a pessoas socialmente marginalizadas.

  2. Paulo Neto disse:

    Miguel, o nome do livro não seria Madame Bovary, sem o U?? Bouvary existe?

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