Feridas de amor entre Marilyn Monroe e Arthur Miller são abertas no espetáculo Depois da Queda

Depois da Queda traz Lucas Gouveia e Simone Spoladore como Miller e Monroe - Divulgação

Por Átila Moreno, no Rio
Especial para o Atores & Bastidores*

O dramaturgo norte-americano Arthur Miller (1915-2005) dizia que todo homem é uma casa com 14 divisões e que está prestes a explodir seus próprios cômodos. Essa ideia resumida de um dos depoimentos dele a um jornalista dá a dimensão do campo minado por onde Depois da Queda entra.

Dirigido e traduzido por Felipe Vidal, a peça invade, pelas portas dos fundos, o universo de Miller e sua paixão avassaladora pela atriz Marilyn Monroe, que resultou num dos casamentos mais midiáticos nos meados da década de 1950.

Depois da Queda é autobiográfica e estreou em 1964 nos Estados Unidos (no mesmo ano teve uma adaptação aqui no Brasil nas mãos de Flávio Rangel).  O lançamento veio anos depois de o escritor se separar de Marilyn e após a morte dela por ingestão de barbitúricos.  A peça traz a história de Quentin (alter ego de Miller), um advogado renomado que começa a questionar a si mesmo e tudo que o cerca.

Diva e dramaturgo viveram amor vassalador

A obra não entrega tudo tão fácil na mão do espectador. É árdua, longa, constantemente conflituosa e com um texto perspicaz.

O primeiro ato prepara o terreno antes de entrar na relação Marilyn/Miller. Mostra como o dramaturgo se relacionava com as mulheres de sua vida, com os amigos, a família, sua postura política e a perseguição sofrida pelo Macarthismo (movimento anticomunista norte-americano).

Há até a referência à amizade abalada com o cineasta Elia Kazan, que supostamente teria entregado ao governo norte-americano uma lista de nomes com as principais personalidades simpáticas ao regime soviético em tempos de Guerra Fria.

Já o segundo ato dá mais destaque para a entrada de Marilyn na vida de Miller. Mesmo com alguns números musicais que destilam ironia, é a parte mais trágica e com alta densidade dramática. No entanto, ao longo da peça, os valores morais são questionados, trazendo à tona temas como traição, relacionamento conjugais, amizade e fidelidade.

O relacionamento entre Miller e Marilyn não foi apenas a junção entre o cérebro e o corpo mais desejado dos Estados Unidos, como se dizia naquela época. Imagine uma estrela de Hollywood, em ascensão meteórica, que não era levada muito a sério por sua inteligência, se casar com um dos mais renomados dramaturgos? Prato cheio para imprensa que virou do avesso esse conto de fadas novelesco.

Filipe Vidal conseguiu lapidar tamanha complexidade nos diálogos escritos por Arthur Miller. Tudo é regido na medida certa, sem excessos. Ele insere Quentin num divã coletivo. À medida que o personagem vai confessando suas angústias, medos e frustrações, o público é convidado a visitar suas lembranças caóticas, desfragmentadas e sem compromisso com a ordem cronológica.

A cenografia casa muito bem com essa ideia. O lado esquerdo e direito do palco trazem vários biombos por onde entram e saem os atores, exceto o personagem Quentin, que fica sempre transitando em boa parte do espaço. De certa forma, isso pode fazer referência com a aquela ideia do homem ser uma casa com 14 divisórias, dito pelo próprio Miller numa entrevista.

Spoladore acerta na ingenuidade sexy de Marilyn

O texto se constrói numa base inteligente e é habilmente dominado pelo elenco de 10 atores. Lucas Gouveia interpreta Quentin de maneira magistral. Vai do cômico, passando pela ironia e perpetuando o dramático, sem sair do tom. Em três horas de peça, nota-se que aparentemente não transparece cansaço e tem um controle invejável de palco.

Já Simone Spoladore poderia parecer caricata ao interpretar a cantora Maggie (uma clara referência a Marilyn Monroe). Atualmente, a atriz faz a loira espevitada, Violeta Osório, na novela Balacobaco, na Record.

Contudo, Simone se entrega em cena e traz todos os elementos que consagraram Marilyn Monroe como mito Hollywoodiano: ingenuidade, espontaneidade, graça e sedução. Não há como negar principalmente na célebre cena em que Maggie se enrola nua num cobertor branco.

Mas também não deixa de trazer o lado egocêntrico, megalomaníaco, inseguro e a necessidade eterna de ser amada, características que completariam a personalidade da diva do cinema. A atriz conseguiu dar aquela dimensão exata, definida pelo próprio Arthur Miller, ao falar daquele intenso furacão loiro que passou pela sua vida: a capacidade de autodestruição.

Depois da Queda
Avaliação: Ótimo
Quando: Sexta a segunda, às 20h. 180 min. Até 17/12/2012
Onde: Teatro Gláucio Gill (praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana, ao lado da estação Arcoverde do Metrô, Rio, tel. 0/xx/21 2332 7904)
Quanto: R$30 (inteira) e R$15 (meia)
Classificação: 16 anos

*Átila Moreno é jornalista e escreveu esta crítica a convite do blog.

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1 Resultado

  1. Luiz Ferreira disse:

    Belissimo trabalho de Lucas Gouveia e Simone Spoladore. Mais o conjunto dos atoes, iluminação, direção. Destaque para o tour de force de Lucas e de Simone. Muito bom.
    Luiz

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