Entrevista de Quinta – Ed Moraes, ator, produtor e diretor da Cia. dos Inquietos

O artista Ed Moraes em pose para o fotógrafo Bob Sousa

Por Miguel Arcanjo Prado

Ed Moraes é do tipo de artista que sabe o que quer. Corre atrás. Faz acontecer.

Tanto que criou seu próprio grupo teatral, a Cia. Dos Inquietos, atualmente em cartaz às terças e quartas, às 21h, com Um Verão Familiar, no Teatro Alfredo Mesquita, na zona norte de São Paulo, além de viajarem o País com Limpe Todo Sangue Antes que Manche o Carpete.

Além de mergulhar no teatro – ele ainda pensa em fazer em 2013 uma peça ao lado da amiga atriz Nathalia Rodrigues –, o segundo filho dos comerciantes João e Odete anda flertando com a TV e o cinema. Fez participação no seriado Aline, da Globo. E também no filme Onde Está a Felicidade, de Bruna Lombardi.

Aos 30 anos de idade, Ed não se dá o luxo só atuar. Muito pelo contrário. Além de também dirigir, é produtor (dos bons) de todos os espetáculos da companhia – e de mais alguns que surgem por aí.

Quando consegue descansar um pouco, ouve Maria Bethânia e Cazuza, sua grande paixão.

Rápido, articulado e dono de uma linda voz, como bem observou a jornalista Fabíola Reipert, que acompanhou parte desta Entrevista de Quinta na redação do R7, Ed Moraes falou sobre um bocado de coisas interessantes.

Por isso, você precisa ler com toda calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado – Você não para quieto, Ed…
Ed Moraes – Não dá para parar, senão a gente não faz. Não come, não vive.

E você vive de teatro?
Graças a Deus, desde 2005 eu consigo viver de teatro, que foi quando voltei para são Paulo. Porque sou daqui, fui para Jundiaí com a família aos 15 anos e voltei sozinho quando fiz 21.

E como você consegue pagar as contas com teatro?
É uma pergunta bem difícil. Até hoje não sei como consigo viver. Não dá para viver muito bem de teatro, mas para você ter as contas em dia você precisa ralar muito, principalmente fazendo um tipo de teatro que eu faço. Já que não costumo trabalhar com linguagens que chamam o grande público. Então, viver desse tipo de teatro que eu faço ainda é mais difícil. É uma luta diária.

Tem que ser sacudido que nem você…
Estou conversando contigo e já estou de olho no celular, pensando no próximo projeto. Estamos circulando com o Limpe Todo o Sangue Antes que Manche o Carpete e fazendo temporada no Alfredo Mesquita com Um Verão Familiar. E depois de muitos anos, vou dirigir um trabalho. Será em 2013. Ainda está embrionário. Recebi alguns textos e meu foco é trabalhar com nova dramaturgia. Tenho dois atores engatilhados e estou procurando outros. Estou lendo novos autores e vendo o que me interessa em levar para o palco não como o intérprete, mas como encenador.

Ed Moraes por Tchello Drc

E como está esta procura por novos textos?
Está difícil ter bom texto… Acho que quem não vai ao teatro não tem como falar de seu tempo. Tem grandes diretores e até dramaturgos que não vão ver teatro. É um assassinato da própria classe.

Eu vejo que muita gente de teatro fica esperando as coisas acontecerem. Você é diferente, corre atrás, produz…
Isso é uma coisa real. É preciso ter culhão para produzir. Quando se é novo, o espaço ainda é mais precário. Não adianta ficar em casa só reclamando. Ou, senão, faz como muitos aí e fica “colando” nos grandes produtores e diretores para ver se algum convite pinta.

Porque ser produtor, eu sei, é trabalho dos mais difíceis…
Às vezes, Miguel, fico um mês escrevendo um projeto e depois vem alguém e diz: “Nossa, você está bombando”. Poxa, vai para o computador escrever um também! É preciso abdicar muita coisa, de sair à noite, ver amigos, para pensar projetos importantes de coisas que precisam ser levadas ao palco. Tem gente que quer ser ator mas tem preguiça de acordar às 6h da manhã e ir ensaiar. Hoje em dia não tem muito espaço mais para este ator que fica em casa esperando o convite surgir.

Por que você virou ator?
Na verdade, eu quis na infância ser jogador de handball [risos]. Achava que ia ser jogador da seleção brasileira. Só que eu via as novelas e gostava de brincar de interpretar, de fazer vozes. Um belo dia, eu vi um anúncio no jornal: “curso de teatro cinema e televisão”. E fui ver qual era. Claro que era a maior picaretagem no mundo [risos]. Aí eu desisti do curso e fui para Jundiaí, onde encontrei um grupo de teatro amador, a Associação Cultural Religarte, que foi responsável por eu me interessar em fazer um bom teatro.

O que eles tinham de especial?
Encontrei pessoas que estavam a fim. De descobrir qual era o mistério que havia detrás das artes do palco. Eu vi que era possível encontrar uma nova forma de se comunicar com o mundo, algo que fosse por um outro viés. Eu nunca fui romântico no teatro, dessa coisa do elogio do ator. Por exemplo, eu não fiz escola. Eu fui para a prática e até hoje, inclusive, sou bem avesso a instituições. Isso me fez correr atrás mil vezes mais. Porque tive realmente de varar noites entendendo o que foi a história mundial do teatro para fazer alguma coisa hoje.

Ed Moraes em cena de Limpe Todo o Sangue Antes que Manche o Carpete - Foto: Sander Newton

Por que decidiu morar em São Paulo?
Fui para outros grupos de Jundiaí e vi que lá não tinha mais muito a me oferecer. Já estava vindo para São Paulo para fazer oficinas. Em 2004, passei numa seleção da Cia. Fábrica de Teatro. E aí foi minha maior escola. Fiquei lá dois anos e meio. Nem o processo que passei depois com o Antunes Filho, nem o que fiz com o Marcelo Drummond, do Teatro Oficina, foram tão ricos quanto a experiência na Cia. Fábrica. Foi ali, trancado na sala de ensaio, que aprendi a olhar para o processo e não para o “produto”. O projeto estava visando à formação do artista, não visava o resultado. Isso é o maior privilégio que um artista pode ter.

Onde você foi morar?
Eu nasci no Belenzinho, mas morei a vida inteira em São Mateus, na zona leste, até ir para Jundiaí. Morar longe, na periferia, me deu muita experiência de vida. Quando voltei, resolvi morar mais perto [risos]. E me instalei na Bela Vista [bairro central paulistano], onde estou até hoje.

Como foi criar a Cia. dos Inquietos?
Fiquei tentando encontrar o que eu queria durante um tempo. Aí desisti das outras companhias e quis fundar a minha. Decidi que precisava de ter uma voz para o que eu queria dizer. Aí fundei em 2009 o coletivo que é a Cia. dos Inquietos.

Por que fez isso?
Tem uma frase do Jô Bilac, no Limpe, que diz “dentro de mim tem um demônio que às vezes ri e às vezes chora e às vezes me morde com tanta vontade que até dá vontade de gritar”. E é isso que faz com que eu grite diariamente, para correr atrás dos projetos, para surpreender em uma sala de ensaios. É isso que faz com que tenhamos essa troca mais visceral possível e sem rodeios. E sem fachadas. É preciso ter isso, sim. Hoje, quando monto um projeto, tenho autonomia de dizer o que eu quiser.

Por que a Cia. dos Inquietos não tem elenco fixo?
Porque eu sempre vou em prol do trabalho. Para que o foco seja ele, abri mão do elenco fixo para pensar um outro formato de companhia. Esse novo formato dialoga mais com nossa realidade atual. A Cia. dos inquietos é um núcleo gerido por mim e tem um entorno de vários colaboradores.

Como veio essa ponte carioca com o Jô Bilac?
Meu amigo Felipe Abib me apresentou o Teatro Independente, do qual Jô Bilac é autor. Acabei produzindo Cachorro na estreia deles em São Paulo. Aí conheci o Jô e falei que queria dirigir algo. Ele me falou de Limpe Todo o Sangue Antes que Manche o Carpete. Eu li e falei que queria fazer e não dirigir.  E chamei o Eric Lenete, que havia feito uma peça comigo em 2007, Wotan, e é meu amigo desde então, para dirigir. Foi a estreia da Cia. dos Inquietos.

Você é um artista bem consciente do todo de sua arte. Dá para perceber.
Se não tivesse comido o pão que o diabo amassou na infância, não valorizaria o que o teatro me deu. Não foi fácil… Talvez, se tivesse vindo de uma família bem financeiramente, não teria essa dimensão.

Nunca ficou com medo de o produto engolir o ator?
Eu nunca tive coragem e nem quis abandonar a carreira de ator. A produção vai bem, obrigado. Hoje, tenho mais convites para produzir do que para atuar, mas jamais teria coragem de abandonar o palco.

E o que você quer dizer com seu teatro?
[Pensativo] A vida para mim do jeito que ela é não basta. Então, eu preciso do teatro para suprir a falta de humanidade que eu vejo no dia a dia. É esse outro mundo que me encanta e que me faz acreditar que existe alguma possibilidade de mudança, se é que isso é possível ainda….

O jornalista Miguel Arcanjo Prado conversa com Ed Moraes no R7 - Foto: Elba Kriss

Saiba mais sobre a obra de Ed que está em cartaz em SP

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