Barafonda faz a rua pulsar ao desenterrar o passado escondido debaixo do asfalto da cidade

Barafonda interage com o bairro da Barra Funda (SP) - Fotos: Bob Sousa/Divulgação

Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Bob Sousa

Em uma cidade como São Paulo, onde a história é cimentada debaixo do asfalto que cobre toda terra possível, contar o passado sumido provoca, no mínimo, curiosidade.

O espetáculo Barafonda, da Cia. São Jorge de Variedades, busca exatamente isso a toque de picareta: como foi o antes de tudo isso que aí está, buscando referências no mito de Prometeu, aquele que roubou o fogo de Zeus e deu aos homens, na mitologia grega, e dialogando com o teatro produzido pelo Oficina de Zé Celso Martinez Corrêa.

No caso, percorre, literalmente, um trajeto de dois quilômetros durante 240 minutos – entre as praças Marechal Deodoro e a Nicolau de Morais Barros, ao lado do trilho do trem – onde cerca de 30 atores e quatro músicos se dividem na criação épica de momentos históricos do bairro industrial paulistano da Barra Funda, onde está a sede do grupo.

Com postura atlética, o elenco mostra versatilidade e fôlego ao encarar personagens variados e executar uma verdadeira maratona cênica em tempo real. Merecem ser citados um por um: Alexandre Krug, André Capuano, Angela Maria Prestes, Anna Cosenza, Antonia Mattos, Bárbara Bonnie, Caco Pontes, Camila Martinez, Carol Portela, Cristiano Kunitake, Dárcio de Oliveira, Fernanda Machado, Georgette Fadel, Isa Santos, Ivan Zancan, João Inocêncio, Jonathan Silva, José Andery, Juliana Amorim, Leandro Rosário, Majo Sesan, Marcelo Reis, Maria Carolina Macari, Marina Donati, Marita Prado, Mauro Grillo, Patricia Gifford, Paula Klein e Rogério Tarifa. Além das participações especiais de Flávio Porto e Pascoal da Conceição, como Mário de Andrade.

A primeira parte do espetáculo é primorosa, com uma interação precisa entre o elenco e a realidade do bairro, formando imagens fortes e surpreendentes, como quando eles dialogam com o Minhocão ou com os pequenos comércios debaixo dele.

Julio Dojcsar e Silvana Marcondes criaram um figurino eclético, que consegue ser ostentoso em sua simplicidade, fazendo destacar os atores em meio ao numeroso público que os acompanha e à gente do bairro que observa curiosa das portas e janelas.

Contudo, o espetáculo perde ritmo depois da visita à sede da Cia. São Jorge de Variedades, na rua Lopes de Oliveira, mas não sem antes produzir uma cena antológica: aquela na qual o público é parido na porta do lugar pela atriz Patricia Gifford.

A travessia da passarela sobre a linha do trem, que prometia ser cheia de epifania, acaba não sendo tão marcante assim. No ponto final, onde a trupe serve caldo de feijão, amendoim e bolo de banana ao público, chama a atenção a interação insistente das crianças de rua da região – algumas já sabem inclusive as marcações das cenas finais e fazem questão de atuar ao lado do elenco.

Como a proposta é dialogar com o bairro, tais atos inesperados – como o do bêbado do bairro que também resolve se somar ao elenco – são recebidos de bom grado.

O sentido de Barafonda não é repassar de forma didática a história perdida da Barra Funda, mas, sim, instigar ao público a perceber que, debaixo de cada arranha céu para a nova classe média paulistana pode estar uma terra cheia de passado enterrado. Insistente, Barafonda cava profundo e faz tudo vir à tona.

Barafonda
Avaliação: Muito bom

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1 Resultado

  1. projetos como este que nos dao ideai de como nos brasileiros somos criativos…E essa e’ uma das minhas missoes aqui fora. Parabens!

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