Com alma de criança, Cia. Suspensa brinca com formas e coisas em De Peixes e Pássaros

Espetáculo alegra crianças e deixa adultos intrigados em Belo Horizonte - Divulgação

Por Leonardo Kildare Louback, em Belo Horizonte
Especial para o Atores & Bastidores*

Grupo de alunos, crianças que chegaram entusiasmados ao grande teatro em Belo Horizonte para ver De Peixes e Pássaros, da Cia. Suspensa. Plateia mal-humorada pedindo silêncio, fazendo mais barulho com xiiiiiiiiiiiiii que as próprias crianças. Dançarinos em roupas florescentes iniciam o espetáculo de dança/circo/teatro.

Eu o classificaria mais adequadamente como um evento performático, pela forma como os variados registros artísticos são apropriados. Diversas figuras se formam naqueles corpos de partes específicas iluminadas, como num teatro de sombras.

Balanços-trapézios balançam ora sozinhos assim, ora enrolados em si mesmos. Dança de trapézios sem trapezistas. Bonito. Doce.

E o ritmo transporta a algum lugar de extrema delicadeza. “Isso é legal demais, né?”, sussurra alto uma vozinha de criança atrás de mim. Cinco, seis anos. Lourenço Marques, o único homem em cena, lindo artista, joga clownesco com um trapézio. Começo a achar que é teatro para outra idade que não a minha. Adultos acelerados não compreendem certas coisas.

No grande momento do espetáculo, o mesmo Lourenço aprende a não andar com os pés no chão. Anda sobre correntes e a leveza é tão absurda que não parece haver grama de esforço para fazer aquilo. Ele flutua, lento, calmo, expandido e onírico. Feliz momento.

Acho que vejo uma aranha, um pássaro, talvez um peixe. Sim, acho que vi um peixe. E um touro, uma cabeça de touro que se apropria dos corpos das atrizes (acho que prefiro chamá-las assim) e anda para lá e para cá, como se tomar vida também fosse questão de ponto de vista. Vejo uma Alice de país qualquer. Acho.

Patrícia e Roberta Manata, as duas bailarinas (vou chamar assim, agora), irmãs fora do palco, que junto de Lourenço se aventuram por um colchão/porta/sonho/brincadeira de criança cheio de poeira, compõem um cenário estranho de memória mais corporal que de lembranças. Todos já brincamos assim. Ou não?

Os que pedem silêncio, com escandalosos xiiiiiiiiiis na plateia, já nem sabem se reconhecem um colchão empoeirado. Há erotismo em certos movimentos. Há ainda mais doçura. Seria um avestruz? Em certo instante, um vinil parece chuva, depois brasa estalando em fogueira de acampamento. Como as duas artistas, em fusão. Acabou. Eu não quis que acabasse. Como se aquela profusão de coisas fosse me levar mais. Pra onde, não sei.

Tarcísio Ramos Homem, o orquestrador do trabalho, me intriga. Pois há muita nebulosidade na proposta. E saio do teatro sem saber se realmente fui suspenso. A trilha de Lênis Rino é bem eficaz no lirismo, prolongando os movimentos. E, grande potência, a luz de Leonardo Pavanello dá à cena um quarto protagonista. Belíssima. Intensa. Também doce.

Parece infantil o que acabo de ver. É? Não sei. As crianças saíram felizes. Talvez lírico demais para os adultos que vão ao teatro para cumprir com os compromissos culturais e ter o que comentar nos lounges da cidade. Ou escrever uma crítica para o jornal.

Há lounges na minha cidade? Deve haver. Sim, há que se expandir os sentidos. O fim? Não se anuncia exatamente e muito menos se espera. Dali, se espera mais. Mas não vem. Parece espetáculo em processo, mas estreou em 2008.

Ou a suspensão extrema e por vezes inapreensível se conseguiu agora, só assim, depois de alguns anos de plateias? Tenho que ver de novo.

De Peixes e Pássaros, da Cia. Suspensa

Avaliação: Bom

*Leonardo Kildare Louback é ator, dramaturgo, tradutor e professor de alemão. Ele escreveu esta crítica a convite do blog.

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1 Resultado

  1. Luciana Rafaela Duarte disse:

    Excelente dica! Como sempre , coluna do Miguel Arcanho é show!

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