Aury Porto desnuda o teatro como um amante

Aury Porto: do Ceará para os palcos do mundo - Fotos: Cacá Bernardes e Arq. pessoal

Por Miguel Arcanjo Prado

O sol se punha detrás do edifício projetado por Oscar Niemeyer quando o ator Aury Porto pisou o chão de concreto do Memorial da América Latina, em São Paulo, na quente tarde da última quarta (21).

Banho tomado, jeans, camiseta. Protagonista da primeira montagem brasileira para o livro O Idiota, de Dostoievski, chamada de O Idiota – Uma Novela Teatral, foi ele quem se aproximou do blog, após a crítica publicada aqui. Propus de cara um encontro. Aury aceitou. E mostrou quem é o homem por detrás do projeto em um bom papo que entrou a noite.

Ele nasceu na pequena Lavras da Mangabeira, no Ceará, a cerca de 430 km de Fortaleza. O casamento de seus pais foi uma espécie de Romeu e Julieta do sertão, já que seu avô materno, dono de terras, não queria ver a filha estudada, Maria Gessy, se casando com o funcionário agricultor João Correia. Mas o amor venceu a barreira social. Tiveram quatro filhos: três meninas e um único homem: Aury.

Paparicado, não podia tomar banho no açude, já que a mãe tinha medo de que tivesse convulsão. Teve uma ainda pequeno e o fantasma da epilepsia atormentava Gessy, que até promessa fez. Fato é que Aury nunca mais ficou doente.

A veia artística mostrou as caras cedo. Cobria-se com lençóis e atuava com os seres que criava. Mas nem sabia o que era teatro. No máximo, tinha notícia dos tais “Dramas”, espetáculos cantados feitos nas fazendas apenas por mulheres.

Como não tinha escola perto da fazenda onde morava, foi estudar em Fortaleza. Voltava para a fazenda só nas férias, na viagem de trem que durava 12 horas, e ele adorava.

Aos 9 anos, mudou-se com a família para Aracoiaba, onde o pai comprou fazenda, deixando de trabalhar para o avô, a apenas 73 km de Fortaleza. Foi lá que viu o primeiro espetáculo de verdade, Pedro Malazarte.

Mas foi em Fortaleza, com 17 anos, que teve um impacto ainda maior ao ver Blue Jeans. Sentiu-se desnudado pela arte ao ver “aquelas pessoas falando daquelas coisas sem pudor”. Até então, tentava apenas repetir os beijos de Francisco Cuoco e Regina Duarte com as namoradinhas da meninice.

E foi com o impacto de Blue Jeans que teve a certeza do teatro na sua vida. Mas o pai exigiu diploma. Entrou para um sem fim de cursos, de geografia a psicologia, mas formou-se  em administração de empresas.

Como estudava muitas coisas ao mesmo tempo, fez escondido o curso de teatro. Ao fim, anunciou que estava partindo para São Paulo em busca de sua verdadeira vocação profissional. E foi.

Foram 52 horas de estrada até o ônibus parar na maior metrópole do País. Com 20 e poucos anos, viu as portas se abrirem para amizades e amores. E o teatro logo aconteceu. Começou com uma substituição em Leonci e Lena, onde fez amigos para a vida toda.

Para se sustentar, fez de tudo: foi garcon, animador de festa infantil, palhaço, pesquisador de mercado. Mas a vida sempre foi dando um jeito.

Em 2000, entrou para o Teatro Oficina, velho sonho acalentado. Fez Boca de Ouro. Depois, conseguiu convencer José Celso Martinez Corrêa e os colegas da companhia a montar Os Sertões, de Euclides da Cunha, que havia lido em 1998. Precisou de muita lábia para transformar o projeto em realidade. E o espetáculo se tornou um marco na história do Oficina e do teatro brasileiro.

Mas em 2007, resolveu seguir seu caminho. Chamou a velha amiga e Luah Guimarãez e fundaram a mundana companhia – Aury diz que se escreve assim mesmo, com minúscula, por conta “do sentido estético e ideológico” presente na criação da mesma. Com ela, mergulhou nas águas de Albert Camus e viajou na dança da lendária bailarina Renné Gumiel.

Até que desembarcou no mundo de O Idiota – Uma Novela Teatral. Leu o livro ainda no Ceará e, nele, descobriu um mundo tão de Aury, um estrangeiro que conquistou tanto em terras estranhas. E segue conquistando por aí, fazendo seu teatro com uma verdade tamanha que só cabe mesmo a definição que ele dá a tudo isso: “uma orgia, no sentido da troca, um estado permanentemente de namoro, de tesão”.

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